Pular para o conteúdo principal

Hoje e não ontem

     Nunca entendi a pressa do mundo. Tudo é para ontem. Parece que estamos sempre atrasados. Mas atrasados para fazer o quê? O que deveria ser feito e não foi? A velocidade da vida sempre é tão acelerada, tão desesperada para passar. Todas estas perguntas estavam ao meu redor, me pressionando de uma forma ou outra.
     Nos últimos meses passei a viver num ritmo bastante lento, a pressa cedeu passagem à calmaria, à reflexão, me dedico de corpo e alma ao dolce far niente. O que passamos por vezes se reveste de falta de significado, parece sem sentido. A vida apressada que levamos não permite que nos aprofundemos na busca do sentido de tudo que vivemos. 
     Quando somos forçados a refletir, seja por qual motivo for, talvez a morte de alguém querido, a passagem por uma situação limite, a perda de um grande amor, enfim, os motivos são infindáveis para darmos um tempo a esta vida louca que nos impõem desde que nascemos. Quando o momento da parada chega nos deparamos com um outro mundo. Muito diferente daquele que aprendemos a não questionar. O tempo apressado da vida cede lugar. O que era para ontem pode muito bem ser feito hoje, o que é hoje pode ser feito amanhã. A obrigação de amanhã não nos impõe anseios hoje. Como é fácil viver uma vida mais calma. Entretanto tudo que está a nossa volta pulsa na velocidade de sempre. Não para, não descansa. Acontece que eu estou mais lento. Aprecio tudo que está tudo e todos que me cercam. Parece que comecei de novo.
     Começar de novo não é fácil, ou melhor, não é fácil deixar para trás tudo que fui. Sou pressionado a todo momento para ser quem eu sempre fui. Mas lá dentro de mim noto um novo eu, percebo que sou diferente, não importando o porquê. Sou diferente e ponto final. Não é ponto final, mas sim uma singela e importante vírgula. A vida pulsa diferente, pulsa intensamente mas de forma compassada, sem saltos.
     Estes dias estava observando o Che Guevara (o cachorro que invadiu a minha vida de forma avassaladora, mas que foi "roubado" pela minha mãe. Aliás, o Che fez um bem para ela que nenhum outro ser fez) senti um amor intenso por ele. Ninguém acredita que ele é cego, ou melhor, deficiente visual. Eu estava com uma grande dificuldade para caminhar devido a um acidente de bicicleta. Eu olhava ele com sua pseudo incapacidade andando normalmente, às vezes esbarrando em alguma cadeira ou outro móvel fora do lugar, mas sempre indo não importando o quão forte fosse o baque. Ele apenas seguia em frente. Ele me "olhava" e dizia: velho não desiste, não há limite para nós. O pior passou. Eu  o colocava no meu colo e ficava fazendo carinho nele. E ele? Apenas me mostrava o caminho a seguir. A cada dia eu melhorava mais. E ele continuava a me dizer: Viu é difícil, mas é possível. A cada trombada dele eu queria me levantar e o conduzir. Ele apenas ia em frente. Por vezes me "olhava" e dizia com seus lindos olhos: Velho, aprendi a lidar com esta minha limitação, aprendi a seguir em frente não importando quantas trombadas ocorram. Apenas sigo. Não tenho outra opção e gosto de viver assim.
     A medida que meu corpo ia melhorando eu apenas agradecia aquele cachorro ser tão especial. Cada momento que passo com ele é uma alegria sem tamanho. Daqui uns dias estarei com ele e ficaremos juntos apreciando a vida e este dolce far niente que aprendemos juntos a desfrutar. Mais uma vez obrigado Che Guevara, o cachorro que mais enxerga no mundo.

PS: É muito difícil escolher uma foto do Che Guevara, pois ele é muito fotogênico...

Trilha Sonora:
Freight Loader - Eric Clapton - Guitar Boogie
Sympaty for the Devil - The Rolling Stones - The Best Of
String Serenade in E major. Op 22 - Dvorak - 101 Classical Greats
Lazy Calm - Cocteau Twins - Stars & Topsoil - A Collection (1982-1990)
Clarinet Concerto In A Major K622 (Adagio) - Mozart 101 Classical Greats
Otto, Rica Amabis & Luca Raele / Peugeot - OTTO - Changez Tout - Samba pra Burro Dissecado
Sorria, Você Está Sendo Filmado - Pato Fu - Ruído Rosa
Exu parade - OTTO - The Moon 1111
City of Angels - Gabriel Yared - City Of Angels

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Somos 99%

     Somos uma parcela significativa de qualquer sociedade. Somos os 99%. Apesar de sermos a imensa maioria, ainda assim somos excluídos de quase tudo. Somos chamados somente quando os detentores das riquezas, os outros 1%, precisam de nossos sacrifícios.      Como é possível que uma sociedade, com alicerces tão frágeis, fique de pé por tanto tempo? Não tenho a resposta. Entretanto, sinto que algo está mudando e muito rapidamente. Esta sociedade injusta já não está mais tão firme e começa a ser questionada. Nos últimos meses estamos acompanhando vários movimentos sociais espraidos pelo mundo. É a voz dos 99% se fazendo ouvir. Estamos cansados de sacrifícios intermináveis. E sempre dos mesmos para os mesmos. Nunca são chamados os detentores da riqueza. Um porcento da população nunca se sacrifica, mas quando aparece alguma dificuldade, criada pela ganância deles, colocam de lado suas convicções e imploram ajuda dos governos. Estes governos que sempre foram...

A casa não vai cair...

     Um amigo, aliás, um ótimo amigo escreveu algo que me fez pensar: "... enquanto nos perdemos nos detalhes, contando, classificando... a vida passa e a casa vai caindo, pouco a pouco."      Este amigo em poucas palavras me mostrou o que somos, ou melhor, no que nos transformamos.      Parece que deixamos de lado o quadro para prestarmos atenção na moldura, sabemos tudo sobre este detalhe, o ano da fabricação da madeira, o tipo e forma do corte, esquecemos de olhar o quadro em si. Fechamos os olhos para a pintura...      No início o não entendi, pois o simples nos é tão difícil de entender, sempre estamos  querendo transformar esta simplicidade em algo complexo. Mas esta simplicidade quando nos é revelada nos abre olhos, enxergamos além da moldura, passamos a ver o conteúdo do quadro; nos surpreendemos com o que surge aos nossos incrédulos olhos.      Parece que somos criados para somente fazermos part...

Uma história do ponto e da vírgula.

     Ia escrever sobre o cotidiano. Mas não me deu vontade. Então me lembrei de uma pequena altercação entre o ponto e a vírgula. O fato ocorrido que presenciei foi mais ou menos assim...      O ponto sempre foi determinado, sempre certo  do que queria, nunca deu espaço para qualquer tipo de dúvida e constantemente reclamava da vírgula. Dizia que ela era um poço de incertezas, sempre acompanhada de um entretanto, talvez, quem sabe. Isso o ponto não suportava. O ponto estava a pronto para encetar algum ataque. Mas o sempre era demovido pelo ponto de exclamação, este sim o mais respeitado entre os sinais de pontuação.      A vírgula de seu lado sempre reclamava deste ar superior do ponto, sempre encerrando os assuntos, não dando margem para nenhuma discussão. Lá longe a reticências nem dava bola tinha uma vaga idéia de que aquela "desinteligência" iria virar amor.    Não é que um dia num texto mal pontuado, como este, o ...