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Um restaurante e os smartphones

     O mundo moderno é estranho.
     Uma grande parcela do que nos cerca  é pensada para melhorar a vida e aproximar pessoas. Entretanto, ao meu sentir, algo deu errado entre o que foi pensado e o que é realizado. Percebo cada vez mais que vivemos apartados da realidade. Cada vez mais nos trancamos no nosso protegido mundo. Não sei bem ao certo do que ou de quem nos protegemos, mas é inegável que nos protegemos de algo. Sinto que cada vez mais colocamos de lado as relações humanas.
     Semana passada quando fui almoçar comecei a observar as pessoas que estavam no restaurante. A grande maioria não deixava de lado seus smartphones ou seus brinquedos tecnológicos. A grande maioria não trocava uma única palavra com a outra pessoa da mesa, até mesmo porque ela também estava de olhos grudados no seu respectivo aparelho eletrônico. Parecia um seita onde todos almoçavam em transe, a procura de não sei o que, quase fora de si. Esta é a uma parte da vida de todos os dias, estas são as relações criadas pelos tempos modernos. Nos relacionamos no mundo virtual e esquecemos tudo de real que nos cerca, tudo que pulsa e nos faz felizes ou infelizes.
     É bem provável que todos que estavam naquele restaurante perdido no sul do mundo estivessem navegando em alguma rede social, postando que estavam felizes almoçando no restaurante tal. Provavelmente vivendo uma vida de faz de conta, aquela onde só há espaço para a felicidade, uma vida de ilusões. Uma história de contos de fada. Sempre desconfiei dos contos de fada.
      A vida virtual não é uma novidade, mas choca quando nos damos conta. Por vezes somos assim também, por vezes sentimos que nossa vida não existe se não compartilharmos nossos "feitos relevantes". Sinto que é uma espécie de justificativa para as inutilidades que fazemos todos os dias. Na verdade o que me afeta não é esta necessidade do compartilhar, que é próprio do ser humano, mas o deixar de lado este a vida real para viver o somente o virtual. Naquele restaurante ao olhar para minha esposa senti que a vida que importa é a vida de todos os dias, a vida normal. É esta que estamos vivendo, onde nossas emoções afloram, onde erramos e acertamos, onde amamos e somos amados e até odiados, onde somos falhos, somos humanos e não o mundo de faz de conta que nos mostra perfeitos, onde defendemos causas nobres (mesmo que não levantemos nossas bundas da cadeira).
     O mundo real é o da imperfeição. Ao viver o mundo virtual nos protegemos das críticas e ao mesmo tempo nos afastamos do calor das relações humanas, imaginamos que somos muito mais do que realmente somos. Quero ser apenas humano, imperfeito como qualquer um. Quero olhar para quem está ao meu lado e dizer palavras sem ou com sentido, conexas ou desconexas, quero conversar mesmo que sem sentido. Quem sabe não dizer nada, mas olhar para olhos e não para um tela de computador ou celular. Cada vez mais me afasto das invenções que "aproximam" pessoas e me relaciono da forma mais tradicional, olhando nos olhos de quem quero ser amigo. Não quero mais "curtir" uma foto ou frase de uma amigo, quero apenas dizer "Velho, que legal estar contigo aqui! Vamos mais vezes nos encontrar".

Trilha Sonora:
Speed of Sound - Coldplay - Singles
Don't answer me - The Alan Parsons Project - Ammonia Avenue
Ragamuffin - Michael Hedges - Strings Of Steel
Java Man - Michael Hedges - The Best Of Michael Hedges
Plot 180 - Passengers - Original Soundtracks
Criminal World - Simple Minds - Good News From The Next World
I'm Having A Gay Time - Nei Lisboa - Hi-fi
Shine On - Diversos - Guitar Heroes
O Descobridor Dos Sete Mares - Tim Maia - Gold
Lagrima - Lee Ritenour & Dave Grusin - Two Worlds

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