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Lembranças

     Li em algum lugar que o começo é o início do fim. Quando iniciamos qualquer coisa é sinal que estamos na estrada do fim. Esta não é uma constatação de desânimo ou qualquer outro sentimento de pesar. É apenas uma constatação talvez juvenil ou quem sabe senil...

     Desde quando nascemos começamos a trilhar a estrada do fim, alguns alcançam seu destino mais rapidamente, outros demoram para chegar ao seu destino final.Tudo que vivenciamos é assim.
     Nas relações humanas não é diferente. Quando encontramos pessoas interessantes pelo caminho é sinal que em algum momento iremos nos separar delas. Pode demorar, pode ser rápido, mas é certo que iremos deixá-las pelo caminho. O pior são aquelas pessoas que saíram da nossa estrada, mas que teimamos em cruzar por elas. É uma espécie de tortura misturada com a dolorosa lembrança dos nossos erros.

     Este início de escrita sem sentido começa a tomar sentido, começo a lembrar de uma passagem da minha adolescência. Num destes invernos da vida, já passei por vários, meu irmão de alma resolveu ir à praia com alguns amigos e eu me escalei para ir junto. Foram os dias mais loucos que um adolescente pode viver. Lembro de fatos daquele final-de-semana que até hoje mexem com este blogueiro. Lá conheci mais a fundo um dos amigos do meu irmão. Estávamos na praia (que frequentávamos somente no verão, dificilmente íamos no inverno) Comecei a conhecer aquele cara que via ocasionalmente, um cara diferenciado, com uma energia indescritível, chamado César. Eu o conhecia de vista, mas nunca tinha trocado mais do que algumas palavras. Já o achava legal, nada mais do que isso. Naquele final-de-semana aprendi a gostar afundo daquele cara. Entendê-lo (até onde era possível para um adolescente). Naqueles loucos dias tive percepções que me marcam até hoje e olha que não tinha mais do que 16 anos. Conversamos muito (eu ouvia mais do que falava, afinal estava de penetra naquela história). Ríamos de tudo e de todos, de nós, no mundo que pulsava longe dali. Estávamos em outra dimensão. Nossas percepções, confesso, estavam influenciadas por substâncias por vezes líquida, gasosa ou mesmo sólidas. Consigo lembrar das tonalidades da casa, das músicas que ouvíamos, do que consumíamos e principalmente do que pensava.
     Lembro de ter naqueles dias aprendido a valorizar cada momento que estamos juntos de pessoas especiais, não pensar no dia de amanhã, não questionar sobre se vamos nos cruzar de novo, se vamos ser amigos eternos, mas sim de curtir cada segundo sem se preocupar com mais nada. Na ida para lá o César já deixou transparecer que aqueles dias eram de despedidas, ele iria para São Paulo tentar a vida como músico por lá. Quando ouvi aquela notícia, em princípio, não mexeu comigo, mas com o passar das horas fui vendo que aquela notícia era mais uma forma de aprender, pois começava a gostar da companhia daquele quase desconhecido. Ele começou a me ensinar que a vida é feita de encontros e desencontros, de amores e desamores, de chegadas e partidas.
     Ríamos juntos, parecíamos uma trupe sem rumo, que queria apenas curtir dias em uma praia deserta. Não me lembro quantos dias ficamos lá, mas sei que ficamos mais do que apenas aquele final-de-semana. Talvez não. No último dia tive uma conversa com o César na varanda da casa. Hoje relembrando, me vem na cabeça diversas passagens de um livro em especial que já tinha lido, mas que não tinha alcançado a sua verdadeira dimensão (livros são para serem lidos e relidos. A cada nova leitura temos um novo sentimento a respeito, pois nos tornamos diferentes entre uma leitura e outra.). Naquela varanda numa manhã fria, me transportei para outros lugares. Ouvi coisas que até hoje não entendo bem, mas que estão dentro de mim e provocam esta vontade de continuar tentando. Esta vontade de aprender com o caminho, a vontade de entender tudo que me cerca, não dar importância demasiada ao entorno, mas sim ao conteúdo. Ali comecei a entender que vida de aparências é apenas isso. Aparências e nada mais. Não importa a aparência, mas sim o que são na sua essência.Em um momento ele me olhou e falou mais ou menos assim:

     "Leopardo (ele me chamava assim) nesta varanda tu consegue encontrar o teu lugar? Tu leu a Erva do Diabo? Tem uma passagem mais ou menos assim, onde Don Juan pergunta a Carlos Castanheda pra ele encontrar o seu lugar em uma varanda como esta. Aquela passagem é muito mais do que encontrar algo ou apenas um lugar onde nos sentiremos completos, é sobre se encontrar e se descobrir..."

     Ficamos ali por algum tempo, não dizendo nada um para o outro, mas nos comunicando de outras formas. Eu tinha lido a Erva do Diabo e me dei conta que não tinha entendido nada. Naquela noite comecei a descobrir o meu caminho. De lá para cá, por vezes me desvio dele, mas sempre retorno àquela trilha de descobertas.
   
     O César foi um cara que passou como um relâmpago na minha vida, mas marcou profundamente. Fez a diferença Não sei onde ele está, mas sinto que ele fez parte do meu caminho no momento certo. Me despertou e seguiu sua estrada, foi breve o nosso encontro, mas foi intenso como uma vida. Por isso cada vez que me lembro dele me dá vontade de cantar:
"viajar num peixe voador...
 Com um cego a seguir imaginando o luar...".

Trilha Sonora:
Montserrat - Bajofondo - Bajofondo TangoClub
En Mi/Soledad - Bajofondo - Bajofondo TangoClub
Los Tangueros - Bajofondo - Bajofondo TangoClub
Mi Corazón - Bajofondo - Bajofondo TangoClub
Perfume - Bajofondo - Bajofondo TangoClub
Vacío - Bajofondo - Bajofondo TangoClub
Esperándote - Bajofondo - Bajofondo TangoClub
Naranjo En Flor - Bajofondo - Bajofondo TangoClub
Bruma - Bajofondo - Bajofondo TangoClub

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