Pular para o conteúdo principal

Um certo Argentino

     Estes dias estava dirigindo, não fala nada, mas pensava em alguém. Gosto muito de dirigir e ficar naquele estado de atenção misturada com relaxamento. Minha esposa me olhou e perguntou no que estava pensando. Aquele questionamento me pegou de surpresa. Sim surpresa, pois estava em outros mundos, mesmo que estivesse prestando atenção no trânsito, carro que vem, carro que passa, sinal para entrar ou sair, olhos nos espelhos, enfim, tudo que envolve este ato complexo que é dirigir. Minha reação inicial foi dizer:
     - Não estou pensando em nada, apenas atento ao trânsito.
     Mas dentro de mim aquela pergunta caiu como uma bomba atômica. Estava pensando e muito. Por incrível que pareça (friso não tenho nenhuma ligação com a igreja Católica), mas estava pensando no Papa Francisco. Quando me dei conta desse fato, não entendi muito bem o porquê. Pensei que aqueles pensamentos era devido a exposição demasiada do Papa na mídia nestes últimos dias de JMJ.
      Lá no fundo tinha a percepção que era muito mais do que isso. Devo reconhecer que gosto do jeito de Bergoglio, agora conhecido como Francisco. Gosto da sua forma despojada e humilde. Gosto das suas falas, de alguma forma mexem comigo. Repito, não sou Católico, muito menos praticante. Mas este senhor tem algo que me cativa. Suas frases me falam diretamente ao coração.
     A sua fala sobre os jovens e idosos mexeu com este blogueiro. Sei que o Papa representa uma instituição que tem compromissos com muitas coisas, tenho consciência que ele sozinho não conseguirá mudar a igreja nos pontos que ela precisa mudar. Penso que ele tem consciência destas limitações de ação. Mas ao mesmo tempo, através de suas fala, consegue fazer muito. Toca no coração de quem está disposto a ouvir. Não sei onde, mas estes dias me deparei com a seguinte declaração do Papa Francisco:
"... um jovem que não protesta não me agrada. Porque o jovem tem a ilusão da utopia, e a utopia não é sempre ruim. A utopia é respirar e olhar adiante."
      Imagino as limitações do Papa ao proferir cada frase, imagino o quanto ele deva pensar até formular uma frase. Por isso as frases não foi ditas do nada, é produto de muita reflexão, cada palavra tem a sua importância, não há em suas falas palavras ditas somente por serem ditas. Têm a função de levar à reflexão.
     Na mesma entrevista me deparei com palavras que poderia ser dita por qualquer manifestante antiglobalização ou então em algum fórum de esquerda:

"Quem manda hoje é o dinheiro. Isso significa uma política mundial economicista, sem qualquer controle ético, um economicismo autossuficiente, e que vai arrumando os grupos sociais de acordo com essa conveniência. O que acontece então? Quando reina este mundo da feroz idolatria do dinheiro, se concentra muito no centro. E as pontas da sociedade, os extremos, são mal atendidos, não são cuidados, e são descartados. Até agora, vimos claramente como se descartam os idosos. Há toda uma filosofia para descartar os idosos. Não servem. Não produzem. Os jovens também não produzem muito. São uma carga que precisa ser formada. O que estamos vendo agora é que a outra ponta, a dos jovens, está em vias de ser descartada."
     Quando um Papa tem a fala que as ruas entendem, sem a necessidade de interlocutores, a mensagem passa a desempenhar o seu verdadeiro papel. Fazer as pessoas refletirem. O que o Papa Francisco está fazendo é nos proporcionar momentos de reflexão.
     Os exemplos do Papa. As suas atitudes despojadas, sua vida sem luxos ou outros excessos, aliados com uma fala em consonância com o tempo atual proporciona a reflexão que todos se submetem ao ouvir o Papa Francisco.
     Não sou ingênuo ao ponto de imaginar grandes transformações na Igreja, mas me contento com as mudanças em cada um de nós a partir do surgimento de Bergoglio.
     Quando a minha esposa me perguntou em que estava pensando, quase respondi:
      - Em um argentino que passei a gostar...
     Mas achei que ela não iria entender muito.

Trilha Sonora:
Ring Out, Solstice Bells - Jethro Tull - Songs From the Wood
Minha Virgem - Vitor Ramil - À beça
Do You Want To Know A Secret - The Beatles - Please Please Me
Chega de saudade - Antônio Carlos Jobim - Inédito
 Não, Não Digas Nada - Secos & Molhados - Coletânea
Song Remains The Same - Led Zeppelin - Celebration Day
Games People Play- The Alan Parsons Project - Ultimate
New Years Day - U2 - Under A Blood Red Sky (live)
Space Oddity - David Bowie - Rock 70´s
Limelight - Spyro Gyra - Rites Of Summer
I Will Follow - U2 - The Best Of 1980-1990

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Somos 99%

     Somos uma parcela significativa de qualquer sociedade. Somos os 99%. Apesar de sermos a imensa maioria, ainda assim somos excluídos de quase tudo. Somos chamados somente quando os detentores das riquezas, os outros 1%, precisam de nossos sacrifícios.      Como é possível que uma sociedade, com alicerces tão frágeis, fique de pé por tanto tempo? Não tenho a resposta. Entretanto, sinto que algo está mudando e muito rapidamente. Esta sociedade injusta já não está mais tão firme e começa a ser questionada. Nos últimos meses estamos acompanhando vários movimentos sociais espraidos pelo mundo. É a voz dos 99% se fazendo ouvir. Estamos cansados de sacrifícios intermináveis. E sempre dos mesmos para os mesmos. Nunca são chamados os detentores da riqueza. Um porcento da população nunca se sacrifica, mas quando aparece alguma dificuldade, criada pela ganância deles, colocam de lado suas convicções e imploram ajuda dos governos. Estes governos que sempre foram...

A casa não vai cair...

     Um amigo, aliás, um ótimo amigo escreveu algo que me fez pensar: "... enquanto nos perdemos nos detalhes, contando, classificando... a vida passa e a casa vai caindo, pouco a pouco."      Este amigo em poucas palavras me mostrou o que somos, ou melhor, no que nos transformamos.      Parece que deixamos de lado o quadro para prestarmos atenção na moldura, sabemos tudo sobre este detalhe, o ano da fabricação da madeira, o tipo e forma do corte, esquecemos de olhar o quadro em si. Fechamos os olhos para a pintura...      No início o não entendi, pois o simples nos é tão difícil de entender, sempre estamos  querendo transformar esta simplicidade em algo complexo. Mas esta simplicidade quando nos é revelada nos abre olhos, enxergamos além da moldura, passamos a ver o conteúdo do quadro; nos surpreendemos com o que surge aos nossos incrédulos olhos.      Parece que somos criados para somente fazermos part...

Uma história do ponto e da vírgula.

     Ia escrever sobre o cotidiano. Mas não me deu vontade. Então me lembrei de uma pequena altercação entre o ponto e a vírgula. O fato ocorrido que presenciei foi mais ou menos assim...      O ponto sempre foi determinado, sempre certo  do que queria, nunca deu espaço para qualquer tipo de dúvida e constantemente reclamava da vírgula. Dizia que ela era um poço de incertezas, sempre acompanhada de um entretanto, talvez, quem sabe. Isso o ponto não suportava. O ponto estava a pronto para encetar algum ataque. Mas o sempre era demovido pelo ponto de exclamação, este sim o mais respeitado entre os sinais de pontuação.      A vírgula de seu lado sempre reclamava deste ar superior do ponto, sempre encerrando os assuntos, não dando margem para nenhuma discussão. Lá longe a reticências nem dava bola tinha uma vaga idéia de que aquela "desinteligência" iria virar amor.    Não é que um dia num texto mal pontuado, como este, o ...