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O Sonho da Drag

     Vamos fazer o seguinte. Vamos Começar de novo esta conversa. Caso contrário iremos nos matar. Bom dia Carla. Como tu está?
     Este teu jogo não me convence. Fala o que tu tem que falar. Desembucha.
     Ok. Sem meias palavras vou direto ao ponto. Quero que tu me sustente. Quero que tu banque o meu sonho. Quero ser uma Drag Queem.
     Não acredito. O meu amante quer ser Drag Queem. O cara que mantém a minha escrita em dia quer virar mulherzinha.
     Não é isso. Quero me apresentar nos palcos da vida.
     Mas precisa se transformar em mulher?
     Faz parte do show.
     Que show?
     O que estou criando na minha cabeça.
     João, me diz uma coisa. De onde tu tirou esta ideia? Na infância tu brincava de médico ou de bonecas?
     Deixa de brincadeiras, foi tu quem me deu esta ideia, Carlinha.
     Não me chama de Carlinha que não gosto.
     Lembra daquele livro que tu comprou estes dias, a biografia da Carmem Miranda. Comecei a ler o livro e vi um monte de fotos da Pequena notável. Depois pesquisei na internet e despertou este sonho. Agora depende de ti e do corno para a realização deste desejo que surgiu dentro de mim.
     João, estou te achando meio estranho. Este papo. Será que tu está saindo do armário? Como é que fica, tu é meu amante. Me deixa louca todas as terças e quintas quanto te encontro e agora como fica.
     Fica tudo igual. Continuamos todas as terças e quintas, só que tu irá me "pagar" um salário para que eu monte o espetáculo A volta da Pequena Notável.
     Já te pago o flat.
     Paga porque é lá que nos encontramos. Preciso de uma grana para montar o espetáculo.
     Não sei não. Parece muito estranho.
     Vai valer a pena. Estarei muito contente nos dias que nos encontrarmos. Serei mais viril, mais intenso, se é que tu me entende.
     Se eu topar, terei que pagar quanto?
     Quero um espetáculo grande, para ser apresentado nos melhores teatros.
     Sim, mas quanto.
     Não tenho ideia, tenho que pesquisar, mas a grana é alta.
     Vê quanto é e começa a te preparar. Quero continuar como estamos, ou seja, ninguém pode saber que estou contigo, sou casada com um prócer da república. Então, temos que manter as aparências.
     Deixa comigo, o Prócer da República, o conhecido corno da república, nunca saberá que a sua esposa transa com a Carmem Miranda.
     
      A vida entre aquele casal de amantes continuou as mil maravilhas, cada dia João precisava de mais dinheiro, afinal, estava ensaiando um musical que poderia ser encenado até na Broadway como ele insistia em dizer. O esposo da Carla cada dia mais se metia em polêmicas de todo o tipo. Até um vídeo dele apareceu onde sugeria o uso de cartão de crédito. João, de longe, ria, pois o dinheiro do seu sonho saia do bolso daquele Prócer da República como Carla o chamava. João gostava de chamar de Corno da República e o considerava nem tão prócer assim... De outro lado, o desempenho do João nas terças e quintas era cada mais elogiado. Carla estava cada vez mais contente, nunca imaginou que Carmem Miranda fosse tão viril. O pessoal da peça estranhava que o João não podia ensaiar nas terças e quintas, dizia que tinha reunião com o financiador do espetáculo.
     Carla não tinha se acostumado com um detalhe. O figurino espalhado no flat, balagandãs, bananas, vestidos e muitos sapatos de salto alto, testemunhavam o desempenho dos amantes. Carla sempre era convidada para ver os ensaios, mas nunca ia. Não podia ser vista lá e pensava que iria prejudicar a visão que tinha do João...
     Dois anos se passaram desde a primeira conversa. Muito dinheiro foi depositado no sonho do João. Chegou o dia da estreia. Uma grande campanha de mídia foi desenvolvida, dinheiro não era o problema, o prócer da república, de forma indireta, continuava a financiar o espetáculo. 
     Carla insistiu com o seu marido em ver um espetáculo que iria estrear no Teatro Municipal do Rio. Um desconhecido que divulgava o espetáculo em todos os programas de televisão, colunas de jornais e em revistas de circulação nacional. Os dois conversavam em uma quarta-feira qualquer:
     Carlinha, vi o cara. Uma biba de quase dois metros vestido de Carmem Miranda. Como o cara iria interpretar uma mulher de apenas 1,50? Só no Brasil. 
     Da onde tu tirou que o cara é biba? Aliás, o nome dele é João Alberto Nascimento e Silva.
     Conheço Biba só de olhar. Lembra do projeto da Cura Gay? Acho que o ele seria o primeiro a ser curado. Ainda vou reapresentar aquele projeto salvador...
     Será? Acho que é um novo talento surgindo. O que tu acha, poderíamos ver o musical. Não se fala de outra coisa no Brasil.
     Mas poderiam falar de mim. Estou meio fora da mídia. Depois das polêmicas do início do ano, desapareci da mídia. Pode ser uma boa ir neste musical. Compra os ingressos.
     Já comprei e é para a primeira fila.
     Primeira fila? Como conseguiu? Lá no gabinete, só conseguiram para as últimas filas.
     Tenho meus segredos.
     Segredos?
     Maneira de dizer.
     Deixa para lá. Não quero saber destes segredos. Já bastam os meus que escondo de todos.
     Marquinho, não tenho nada a te esconder. Carla mentiu descaradamente, coisa que ela sabia fazer como ninguém. Talvez tenha aprendido com o marido.
     O dia da estreia chegou. Tinha muita gente. Mas o Teatro não lotou, embora estivesse bem cheio. João estava uma pilha de nervos, a voz desafinava toda hora. O figurino do espetáculo, embora tenha custado uma nota preta, era de muito mal gosto. João, no alto dos seus quase dois metros, não era uma figura que lembrasse a Carmem Miranda. Por quase duas horas todos testemunharam um dos mais estranhos espetáculos que o Teatro Municipal testemunhou nos seus 104 anos. Se não bastasse o sofrível musical, ninguém entendeu o agradecimento ao final do espetáculo do intérprete de Carmem Miranda:
     Esta noite é a concretização do sonho de uma vida, teria muitas pessoas a agradecer, mas primeiramente agradeço a quem acreditou no meu sonho, a pessoa que em todas as terças e quintas conhece o verdadeiro João, hoje estou muito feliciano.
    Carla por dentro ri, chora, sente orgulho. Queria também esganar o João. Por que fazer aquela citação...
     Na terça o desempenho do João foi inqualificável e foi quando ele apresentou seu novo sonho.

Trilha Sonora:
Down The Road - Kansas 1977 - Kansas - Providence Civic Center, 1977-12-13
Angel - Eric Clapton & Jeff Beck - Two Blue Birds Fly
In the Lap of the Gods ([Instrumental) - The Alan Parsons Project - Pyramid (Expanded Edition)
Part Of The Machine (Bonus Track) - Jethro Tull -  Crest of a Knave [2005 remaster]
Ticket To Ride - The Carpenters - The Singles 1969-1973
The Bully  - Sia - Colour the Small One
After Midnight - Eric Clapton & Mark Knopfler - After Midnight (Live)
Ensaboa - Marisa Monte - Mais
Money For Nothing - Eric Clapton, Mark Knopfler, Phil Collins -  Romantic Isolation
Beyond - Daft Punk - Random Access Memories
Fleetwood Mac - Say You Love Me - Rock 70´s
Rock & Roll Suicide - David Bowie - Singles Collection, Vol. 1
Amor I love you - Marisa Monte- Memórias, crônicas e declarações de amor
Bottoms Watashitachi No ... - U2/Passengers - Miss Sarajevo
H. D. Blues - Garotos Da Rua - Hot 20
Hot Fun In The Summertime - Sly & The Family Stone - Rolling Stone Magazine's 500 Greatest Songs Of All Time
Família - Titãs - Cabeça Dinossauro
El Mareo - Bajofondo - Mar Dulce
Rolling Stones - Wild Horses -  Rock 70´s
Si No Fuera Por... - Soda Stereo - Nada Personal
Busy Baby Montage - Eric Clapton & Marc Shaiman - The Story Of Us (OST)
32 Dentes - Titãs - O Blesq Blom
End Of The World - Gary Moore - We Want Moore! (Digital Remaster)
I Shot The Sheriff (13 02 2009) - Eric Clapton - Welcome to Osaka Castle Hall
Billy Joel - Piano Man - Clássicos Rock 500
Reforma no Banheiro - Pata de Elefante - Na Cidade
Mercedes Benz (Live) - Concrete Blonde - Recollection
Julia - Pavlov’s Dog - Rock Legends

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