Pular para o conteúdo principal

Ciclo da vida invertido

     Hoje cumpri uma promessa. Uma das que fiz este ano.
     Acompanhei uma amiga até o local onde seu filho descansa. Um jovem que se foi em mais um ato de violência diária. Vivenciei a dor de uma mãe. Conversamos sobre as perdas da vida, sobre os porquês destas perdas, conversamos sobre a maior das perdas. Eu, um cara de 40 anos, conversando com uma mãe em frente ao túmulo do seu filho numa tarde de domingo. Ali, percebi como são pequenos os nossos dramas face a maior das perdas. Ali, abraçado a uma mãe entendi que esta vida não apresenta nenhum sentido. Tentei reconfortá-la, mas não encontrei palavras. A abracei e choramos juntos. Não havia o que ser dito, nada poderia ser dito, qualquer palavra não iria cumprir função alguma. Somente me coloquei ao lado daquela mãe para escutá-la para que ela expiasse sua dor e compartilhasse por alguns momentos o seu sofrimento.
     Nenhuma palavra, apenas choramos e vivenciamos aquela tristeza.
     Naquele cemitério refleti sobre nossos dramas diários, nossas pequenas tristezas. Ao olhar aquele entorno refleti sobre meus dias, sobre minhas dores, meus temores, minhas dificuldades e abracei mais forte a minha amiga. 
     Ao sair dali tentei dizer que a vida segue, mas nem eu acreditava muito naquelas palavras. Como a vida pode seguir depois de uma mãe enterrar o seu filho? Como aceitar a inversão do ciclo da vida? Ao sair com ela conversamos sobre como lidar com esta perda. Não há muito o que fazer, somente seguir em frente. Não consigo perceber o sentido neste vivenciar, nem nome tem para designar esta perda. O pior de tudo é que a vida segue e é necessário seguir. Conversamos pelo trajeto, mas por dentro eu pensava nas minhas dores e comparava com as dores daquela mãe. Nos ajudamos, saímos fortalecidos daquele cemitério. A mãe continua com a dor dilacerante, mas percebeu que não está só nesta estrada e eu, ao sentir um punhado da dor, entendi que é possível compartilhar sentimentos, é possível, sem muito sacrifício, estender a mão a quem precisa. Percebi que quem foi ajudado neste domingo não foi aquela mãe, mas sim este blogueiro. Me sinto mais forte, me sinto libertado dos meus pequenos dramas. Hoje fui ajudar quem eu pensava precisar e me senti ajudado por quem tem a maior dor do mundo.

Trilha Sonora:
Hoje escrevo sem música por razões um tanto óbvias.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Licenças poéticas

      No texto do Cotidianidade recebi o seguinte comentário: estou de olho..não adianta remover... Já criaste 2 leitoras que " contribuiram" com teu blog.. por que não assumir que os textos são teus? é para parecer que mais gente lê o blog? os teus textos são bons..não precisas deste artifícios..      Primeiramente tenho que dizer que fui surpreendido com este comentário. Engraçado como algumas coisas mexem com nossos sentimentos. E sem muita explicação.      Sempre ouvi a seguinte frase "não importa o meio, mas sim a mensagem". E acho que serve para este caso, não importa se quem escreveu foi A, B ou C, mas sim se cumpriu com sua missão, levar alguma mensagem, seja ela tola ou não. Se pensamos sobre o que lemos já basta. Este é o objetivo de qualquer escritor, seja ele neófito como eu ou os mais experientes.      Escrever é uma atividade de exposição, nos desnudamos através das palavras (escrevi isto estes dias) e é a mais pura realidade. Quem quer escrev

Ciclo do amor...

      - Não sei como chegamos até aqui sendo completamente diferentes.      - Nós chegamos aqui por discordâncias irreconciliáveis. Nossa relação foi um erro.      - Como um erro, se estivemos casados por vinte anos?      - Mas nestes vinte anos nos fizemos muito mal. Desperdiçamos tempo ao tentar tornar o nosso amor viável. Pelo menos é o que eu penso.      - Realmente somos diferentes. Mas nunca achei que nosso casamento foi um erro. Fui muito feliz ao teu lado.      - Nestes anos, tu pode me dizer quantos foram realmente felizes ao meu lado?      - Não podemos mensurar este tipo de sentimento. A felicidade é um conjunto de pequenos momentos felizes. Tu sempre buscou algo fora de ti. Nunca consegui achar esta felicidade interior e buscava no outro ou no teu entorno.      - Não estou afirmando que fui infeliz, mas sim que esta vida não foi a que esperei para mim.      - Sempre olhando somente o teu lado, sempre senti que na verdade tu era muito egoísta, mas eu tinha a convicç

Efemeridades...

     O fim é efêmero. Entre tantas outras coisas.      Pode parecer estranho, mas é, ou melhor, acho que é, deixei de ser definitivo com tudo que me cerca, minhas certezas ficaram pelo caminho. Ou melhor, minhas certezas eram efêmeras.         Sempre nos é imposta a ideia de que o fim  é definitivo, mas não é, nunca foi. Alguns dirão que a morte é o fim definitivo. Também não é. Nem me refiro à questão espiritual, onde muitos acreditam que a morte é uma passagem para outro plano, outras vidas. Não acredito muito, mas respeito profundamente. É questão de fé. Contra fé não há argumentos. Ou se tem ou não se tem e ponto final. Sem nova linha.      Mas é inegável que a morte não é o fim, existe muita vida após a morte, basta olharmos um corpo em decomposição e lá estará a prova viva e morta de que a vida não termina, apenas apresenta outras formas de existência. Tudo que nos cerca e nós mesmos somos efêmeros, mas isso não quer dizer que somos finitos. Este é o centro da questão. É uma