Pular para o conteúdo principal

Décollage II

     Naquela mesa só restavam duas taças de vinho. Um casal se olha e cada um repensam sua histórias. Nenhuma palavra é dita entre eles. A banda continua tocando única a música que haviam ensaiado, Décollage...
      Os dois apenas se olham, um mundo os separa, sonhos perdidos pelo caminho. Caminhos perdidos entre. Nada entre eles se completa ou se completou, a vida continua sem sentido e eles apenas se olham. As taças continuam pela metade. A banda ainda toca a mesma música. Acordes desencadeando uma linda linha melódica que termina abruptamente. No mesmo compasso.
      As luzes piscam intensamente criando sombras disformes. O casal apenas pensa e nenhuma palavra é dita. Carlos Eduardo tenta se levantar. Maria Clara pergunta:
     - Antes de ir, tu poderia me dizer o porquê de tudo que vivemos?
     - Sinceramente. Não sei. Acho que faz parte do aprendizado de todos os dias. Mas, sinceramente, não sei.
     - Em algum momento nos perdemos neste jogo.
     - Desculpe. Nunca foi um jogo. Vivemos intensamente. Se não teve o final que desejamos ou que um de nós desejou, foi por encontros e desencontros da vida. Nada tem muito sentido, nem é bom ter.
     - Não queria um sentido, mas uma explicação. Senti que nos perdemos de nossos destinos.
     - Destino não existe. O que há são desencadeamentos de nossas ações. Não há nada traçado. Apenas fazemos nossas escolhas. Talvez tenhamos nos iludido pelo caminho. Nos deliciamos em alguns momentos, mas no final resolvemos seguir em outras direções. Só isso. A vida seguirá seu curso.
     - Carlos Eduardo tu é um merda. As tuas explicações servem para ti. Se é que servem para ti.
     - Isso mesmo. São as minhas explicações. Tu me perguntou o porquê de tudo que vivemos e eu dei a minha explicação.
     Nas paredes em volta se podia notar as várias camadas de cartazes coladas uma por cima das outras. Outros tantos arrancados, dando o tom da conversa.
     Neste instante Maria Clara diz a última frase entre eles:
     - Então só posso te dizer até nunca mais.
     Carlos Eduardo não sabe quem irá pagar a conta, então pergunta:
     - Maria Clara, quem irá pagar a conta?
     - Que conta?
     - Ora que conta, olha a tua volta. Tu acha que isso aqui saiu de graça? Não custou nada? Ou caiu do Céu.
     - Carlos Eduardo, só estamos nos dois aqui.
     - Estou vendo. Mas que culpa eu tenho se tu quis lançar um clube de nudismo em Caxias do Sul...

Trilha Sonora:
Décollage - Bajofondo TangoClub - Supervielle

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ocaso!

    Faz muito tempo que não entro aqui para escrever. Aliás, faz muito tempo que não acesso o blog. Ele está em um processo de hibernação. Quase uma vida mantida por aparelhos.     O motivo? Talvez o ocaso do LedVenture esteja próximo. Gosto da palavra ocaso. Penso em um caso qualquer, uma história qualquer que será contada. É o tipo de palavra que o som te carrega a muitos lugares e situações. Mas voltado desta pequena digressão, o LedVenture sempre foi um personagem vivido por este blogueiro neófito. Um personagem que por breves momentos adquiriu vida própria. Um personagem que ultrapassou os limites da ficção e viveu algumas experiências muito interessantes. Outras nem tanto.      Cruzam ambulâncias aqui perto, correndo não sei para onde, talvez para acudir este blogueiro, talvez não... As ambulâncias passarem e a vida volta ao normal por aqui, não me acudiram. Parece que não foram chamadas para me atender.  Na verdade não prec...

A casa não vai cair...

     Um amigo, aliás, um ótimo amigo escreveu algo que me fez pensar: "... enquanto nos perdemos nos detalhes, contando, classificando... a vida passa e a casa vai caindo, pouco a pouco."      Este amigo em poucas palavras me mostrou o que somos, ou melhor, no que nos transformamos.      Parece que deixamos de lado o quadro para prestarmos atenção na moldura, sabemos tudo sobre este detalhe, o ano da fabricação da madeira, o tipo e forma do corte, esquecemos de olhar o quadro em si. Fechamos os olhos para a pintura...      No início o não entendi, pois o simples nos é tão difícil de entender, sempre estamos  querendo transformar esta simplicidade em algo complexo. Mas esta simplicidade quando nos é revelada nos abre olhos, enxergamos além da moldura, passamos a ver o conteúdo do quadro; nos surpreendemos com o que surge aos nossos incrédulos olhos.      Parece que somos criados para somente fazermos part...

Modernidade, botas e amor...

     Este mundo da modernidade é muito frugaz, tudo muda de uma hora para outra. O que hoje é a maior representação da tecnologia, amanhã é totalmente obsoleto. Hoje vivemos o tempo da mudança constante, até mesmo para que haja movimentação econômica, consumo e mais consumo.      O ser humano viveu milhares de anos evoluindo gradativamente, se adaptando ao meio para sobreviver as vicissitudes da vida. Hoje em dia nós seres humanos alteramos o que nos cerca para que este se molde as nossas necessidades. Construímos enormes hidrelétricas alagando milhares de hectares. Para quê? Para  produzir mais energia e satisfazer nossas pequenas necessidades. Criamos cidades dentro de mares para que? Para simplesmente ostentarmos, ou seja, para mostrarmos para os mais desvalidos que existe uma classe social que pode tudo. Erguemos centrais atômicas na zona mais perigosa do mundo e ficamos surpresos quando acontece uma catástrofe anunciada.      Qu...