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Digressões...

     Sons da rua invadem minha escrita. Carros passando, um avião sobrevoando o bairro, uma moto acelerando desmesuradamente. A serralheria que coincidentemente leva o nome da minha esposa produz sons sem sentido. Tudo a minha volta pulsa através dos sons. Me concentro para escrever e surge o som de um passarinho. Dentro desta sinfonia de sons o passarinho é o solista. Imagino este pássaro se postando, observando o entorno e entrando na "música" justamente no compasso certo...
     Somos um pouco deste pássaro. Vivemos uma loucura diária, mas queremos de toda forma sermos protagonistas de nossas vidas, desejamos influenciar este mundo que nos cerca. Nem sempre conseguimos. Muitas vezes somos engolidos por uma sucessão de fatos sem sentido ou de pessoas sem sentido que não se permitem evoluir. 
     Sempre olhei os pássaros como um símbolo de liberdade. Voam para onde querem e quando determinado lugar não lhes dá sustentação migram para terras mais quentes ou com alimento mais farto.
     Às vezes desejo ser uma espécie de pássaro e voar para um lugar qualquer. Mas somos diferentes, temos responsabilidades, contas ou financiamentos para pagar. Tudo isso nos "obriga" a fixar raízes em um lugar. Esta é a vida que vivemos. Podemos mudá-la até certo ponto. Perdemos o controle de nossas vidas com o passar dos anos e com a assunção de responsabilidades inerentes à vida diária. Penso que o capitalismo estimula isso, nos "obriga" a fixarmos moradia para produzirmos mais para o sistema, estabelecendo, assim, um certo equilíbrio entre produção e consumo. Por esta razão os capitalistas e o capitalismo não apreciam os nômades, pois estes geram insegurança.
     O pássaro continua a gorjear numa espécie de diálogo com este texto. Tento traduzir o que ele "diz"...
     As nossas responsabilidades tornam-se espécies de prisões para nos manter no mesmo lugar. Não que eu queira mudar, aliás sou um cara avesso a mudanças, mas gostaria de ter em minhas mãos esta possibilidade. Não as tenho mais. Lembro do tempo que eu tinha em minhas mãos a possibilidade de largar tudo e recomeçar em outro lugar. Nada me prendia. Era um cara livre de amarras. Também é verdade que me faltava coragem. Hoje sinto que tenho a coragem, mas me falta a liberdade. A vida é assim, sempre nos falta alguma coisa.
     O reflexo do sol na janela me cega momentaneamente, talvez incomode o passarinho gorjeador, pois o som não se faz mais presente. Tento fechar a janela para evitar o reflexo, mas ele entra pelas frestas e continua a me cegar. Sei que é efêmero este cegar... O sol continuará o seu caminho diário e não mais refletirá na janela. Então não serei mais ofuscado pelo reflexo do sol, talvez só pela vida...

Trilha sonora
Linha do Horizonte - Azimuth - Azimuth e o gorjear do pássaro em minha janela...

Comentários

  1. "Do mesmo modo que o metal enferruja com a ociosidade e a água parada perde sua pureza, assim a inércia esgota a energia da mente."

    Leonardo da Vinci

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