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Um amor démodé

     - Eu só gostaria de viver novamente um amor démodé!
     Com esta frase Leonel encerrou sua palestra. Todos os presentes ficaram em silêncio, talvez abalados por tudo que ouviram naquela tarde-noite. Leonel tinha consciência do que falava em suas palestras. Mas aquela plateia reagiu de forma absolutamente diferente. Aquele silêncio tocava fundo no peito de Leonel. Ainda mais naquele período da sua vida, no qual estava em meio a um doloroso processo de separação do seu grande e único amor.
     Como falar de amor no momento, estando passando pelo que estava passando? Não sabia, mas estava tateando... Só sabia que tinha que tentar.
     Mas aquela reação da plateia estava machucando as poucas forças que mantinham Leonel de pé. Quando levantou os olhos em direção da plateia descobriu o porquê daquele silêncio. Todos os presentes choravam.
     Leonel iria se retirando, mas parou para observar a plateia. Muitos pegavam seus celulares e, mesmo chorando, faziam ligações. Outros se abraçavam às pessoas que lhes cercavam. Parecia uma catarse coletiva. Como explicar o que estavam vivenciando naquele auditório? Como explicar que um cara que estava com a vida em frangalhos conseguia tocar fundo àquelas pessoas?
     Leonel resolveu sentar-se na beirada do palco e também começou a chorar. Sempre fora um homem razoavelmente duro, não expunha sentimentos, mas naquela noite sentia que estava se tornando um novo homem. Talvez o amor o transformasse num homem melhor. Mas como se a sua vida estava dilacerada? Como seria um novo homem, se ao completar 50 anos se via sem o seu porto seguro que era a sua família? Neste ano estava perdendo tudo que tinha importância.
     Sentado no palco e observando a reação da plateia percebia que poderia, ainda, ser feliz. Ainda havia tempo e espaço na sua vida para o amor, mesmo ele sendo démodé ou quem sabe um outro tipo de amor.
     Resolveu ligar para Marília. Procurou o nome de Marília na agenda e ligou.
     - Marília. Sou eu Leonel.
     - Sei que é você Leonel. O que tu quer?
     - Quero pedir desculpas. Coisa que nestes 20 anos de casamento nunca fiz.
     - Acho que é um pouco tarde.
     - Sei disso. Mas preciso te pedir desculpas e dizer que te amo com todas as minha forças. Não queria perder o teu amor.
     - Leonel, sei que tu foi fazer uma palestra. Acho melhor conversarmos quando tu chegar. Ok?
     - Combinado. Mas saiba que te amo para sempre. Aconteça o que venha acontecer eu te amo. Hoje a palestra foi diferente. Todos aqui estão chorando, inclusive eu. Mas nos falamos mais quando eu chegar aí.
     - Te espero. Enfim, iremos conversar.
     Dois dias depois, Leonel bate à porta da casa que um dia morou e foi feliz. Leonel sempre bate à porta do mesmo jeito e o pior que Marília gostava de ouvir ele bater na porta daquela forma meio impaciente e amorosa...
      - Que surpresa Leonel, pensei que tu viria somente amanhã.
      - Não aguentava mais ficar imaginando como seria nossa conversa e também ensaiando o que e como te dizer. Mas irei no improviso mesmo, não sou um bom ator. Aliás, nunca fui.
     - Então fala. Estou ansiosa para te ouvir. Mas vou te adiantando estou cansada de tudo que passei até aqui contigo.
     - Como assim? Sempre imaginei que tu era feliz ao meu lado.
     - Feliz fui, mas a felicidade não é algo que se vive num certo momento e então esquecemos. Temos que ser felizes constantemente e não somente no passado distante. Entende?
     - Claro que sim. Mas o fato é que até nos separarmos eu era feliz ao teu lado. Todos os dias.
     - Mas eu fui esquecida nesta tua felicidade. Nos últimos anos me senti ao largo da tua vida. Estes dias li num blog esta expressão e gostei. E é o que sentia contigo, vivia ao largo da vida.
     - Tu nunca foi de acessar muito internet, imagina acessar blogs. Tu está mudando mesmo. Mas pouco importa.
     - Viu. Sem querer tu mostra quem tu é Leonel. Tu acabou de dizer "tu está mudando mesmo. Mas pouco importa." Para ti se eu mudo ou não é um fato que não tem muita importância ou não tem importância alguma. Tu é assim, mas com a idade tu foi ficando mais individualista. Imagina, tu é uma pessoa que fala de amor para as pessoas e não sabe amar quem te cerca. É no mínimo contraditório.
     - Não é bem assim. Eu sei amar. Tanto é que ficamos casados por vinte e poucos anos.
     - Números não importam Leonel. O que importa é a intensidade do que vivemos.
     - Marília, eu vim aqui para falar, mas quem esta falando é tu. Deixa eu te dizer que te amo.
     - Eu sei que tu me ama Leonel. Eu te amo também. Mas não é possível vivermo juntos. O nosso amor não é suficiente para encher esta casa. Já foi, mas hoje somos apenas amigos. Às vezes nem sei se podemos ainda sermos amigos, estamos brigando na Justiça.
     - Hoje telefonei para o meu advogado e disse para ele entrar com a desistência da ação. Ele não entendeu muito, mas irá protocolizar a petição de desistência.
     - Fazia tempo que tu não me surpreendia. Estou surpresa, aliás, muito surpresa. Mas pera aí, o que tu quer em troca?
     - Nada, quero somente a tua amizade. Quero saber que tu está feliz, quero ter certeza que a Lorena estará feliz. Mesmo que distantes de mim.
     - Olha, finalmente tu está entendendo o que estamos passando.
     - Não. Não mesmo. Não entendo o que estamos passando, Apenas entendi que eu estava errado na minha luta. Estava somente vendo o meu lado.
     - Bingo. Eu precisava de espaço para viver também. Eu vivia a tua vida, Leonel, e não a minha. Não por culpa de alguém, mas por culpa nossa. Só isso.
     - É triste ouvir isso, mas é a mais pura realidade. Mas eu te amo. E sempre te amarei, Marília.
     - Eu também te amo Leonel, mas preciso viver a minha vida. Quem sabe vivendo esta vida nova eu possa te reencontrar? Vai saber.
     Neste momento este casal se abraça e choram como duas crianças. Depois deste longo abraço se afastam. Leonel deixa a casa que escolheu para viver, onde tudo faz parte das suas lembranças. Mas era chegado o momento de deixar aquele amor de infância.
     Passaram-se cinco longos anos. Anos de tristeza, encontros esparsos com a Marília. Sempre encontros furtivos e muito rápidos. Os cinco anos foram de tristezas, mas também de aprendizado.
     Leonel estava em Florianópolis para mais uma palestra sobre o seu tema predileto. O amor nos tempos modernos. Logo ele que estava completamente apartado do amor. Leonel se sentia um teórico do amor, porque na prática era um neófito neste tema. Mas o público não sabia desta infelicidade do palestrante, se soubessem era a falência na certa...
     Iniciou a palestra da mesma forma de sempre, fez pausas nos mesmos momentos e se encaminhava para o mesmo encerramento. Ao começar a última frase tudo mudou.
     - Eu era um amante démodé, hoje sou um um arquétipo do homem moderno. Como gostaria de voltar a ser démodé. Você que ama e tem este amor ao seu lado, valorize-o, não o sufoque, apenas deixe ele pulsar, somente assim você e seu parceiro ou parceira serão verdadeiramente felizes e talvez consigam ter um amor démodé.
     Ao sair da palestra resolveu andar pela Beira-mar, sentou num banco e ficou a olhar o mar.
     Neste instante senta ao seu lado o grande amor de Leonel e lhe abraça. Marília contou o que fez nestes últimos anos.
     - Leonel, hoje é o dia que tu irá me escutar e somente me escutar. Nestes anos fui em todas a tuas palestras, sempre me sento nas últimas cadeiras, às vezes ia disfarçada. No nosso último encontro te disse que iria viver a minha vida. Vivi e descobri que sou uma mulher das antigas. Sou démodé e quero ser para o resto de nossas vidas. Hoje tomei coragem para te dizer que quero ser feliz ao teu lado e estando ao teu lado eu sou feliz. Aliás, só ao teu lado eu sou feliz. Tu pode me achar meio contraditória e sou mesmo. Mas eu só quero ser feliz contigo e nada mais. Acho que somos um casal démodé. E o nosso amor é e sempre será assim. Nestes anos que ficamos separados eu me percebi e te senti mais do que em qualquer um dos anos que vivemos juntos. Então, Leonel, tu quer se casar comigo?
     Leonel não falou nada, apenas beijou Marília e se levantou... caminhou um pouco e ao virar-se percebeu que Marília não estava mais. Aliás, fazia tempo que ela não estava mais em sua vida, tinha morrido e já fazia cinco anos. Estava vivendo desde então a maior dor de uma vida. Seu coração começou a acelerar Leonel sentia que enfim iria reencontrar Marília em outro plano. Viveria novamente aquele amor démodé.


Trilha sonora:
Memory Motel feat. Dave Matthews (Remix Edit) - The Rolling Stones - Memory Motel Promo CD
Devil With A Blue Dress On/Good Golly Miss Molly - Mitch Ryder & The Detroit Wheels - Rolling Stone Magazine's 500 Greatest Songs Of All Time
Another Life - Pat Metheny Group - Speaking Of Now
The Prettiest Thing - Norah Jones - Feels Like Home
To make somebody happy - Eric Clapton - Crossroads 2: Live In The Seventies
The Cars - Moving in Stereo -  Rock 70´s
Milonga Magica - Andreas Vollenweider -Air
James - Pat Metheny Group -Offramp
Glorious - Muse -Black Holes And Revelations (Japanese Release)
Pride (In The Name Of Love) - U2 -The Best Of 1980-1990
I'm Eighteen - Alice Cooper -Rolling Stone Magazine's 500 Greatest Songs Of All Time
Thoughts Of A Dying Atheist - Muse  - Absolution
God Put a Smile upon Your Face - Coldplay - Singles
Tulsa Time - Eric Clapton - Crossroads 2: Live In The Seventies
Presence Of The Lord - Eric Clapton - Crossroads 2: Live In The Seventies
The Joker Steve Miller - Band - Rock 70´s
Memory Motel feat. Dave Matthews (LP) - The Rolling Stones Memory Motel Promo CD
Love You Inside Out - Bee Gees -Their Greatest Hits - The Record (Disc Two)
Brothers In Arms - Dire Straits - Brothers In Arms
Subterranean Homesick Blues - Bob Dylan - Rolling Stone Magazine's 500 Greatest Songs Of All Time

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