Pular para o conteúdo principal

Vida em anacruse

     Já escrevi vários inícios. Muitos refeitos ou deletados.
     Tentativas vãs. Ou melhor, tentativas desfeitas, mas não vãs, pois todas, absolutamente todas me ensinaram alguma coisa. Na verdade pouco importa, porque a cada início tudo se repete. Queria que fosse diferente. Talvez como a música que está tocando. Follow Me do disco Imaginary Day do Pat Metheny  é a música perfeita para retratar o que quero dizer. Esta música já inicia no meio de um compasso, o que recebe o nome de anacruse, acho que é este o nome.
     A vida poderia ser uma grande anacruse. Explico. Primeiramente tenho que tentar definir anacruse como a ausência de tempos no primeiro compasso de uma melodia. Não sou músico, por isso defino a anacruse de forma tão simplória e tosca. O que quero dizer com esta figura de linguagem é que seria mais fácil se a vida fosse em anacruse, ou seja, quando menos esperássemos já estaríamos vivendo, sem nenhum subterfúgio ou intróito. Não prepararíamos nada. Não desperdiçaríamos tempo com inícios descabidos ou desnecessários. Sinceramente desejaria que fosse assim. Seria tão melhor, mais completo e ao mesmo tempo mais simples.
     Não perderíamos tempo em compassos infindáveis e monótonos. Viveríamos compassos díspares e surpreendentes. Talvez precisássemos encarar de frente estas novas partituras, colocar algumas semifusas a mais, retirar algumas colcheias, outras semibreves, enfim, teríamos que olhar com outros olhos a partitura da vida. Mas perceberíamos como desperdiçamos tempo com coisas tão desnecessárias, como somos consumidos pelo não importante. Quando somos instados por coisas mais vitais da vida, percebemos o quanto nos desgastamos com o delével. Perdemos nossas já combalidas forças com o supérfluo.
     Vida em anacruse seria uma solução para as perdas de tempo de todos nós. Simples e sem nenhum contratempo ou nota descabida. Sem palavras a mais em um texto sem nexo, com menos adjetivos e mais substantivos. Só me cabe tentar viver uma vida em anacruse. E você?

Trilha Sonora:
Follow Me - Imaginary Day - Pat Metheny Group
Are You Going With Me? - Travels (Disc 1) - Pat Metheny Group
Travels - Trio 99->00 - Pat Metheny

Comentários

  1. discordo, camarada. as preliminares são o melhor da vida. aquele momento que antecede o meio e o fim. a hora do frio na espinha. o sentimento de se jogar ao desconhecido, porque decidimos que vale a pena. mas claro, é preciso coragem.

    ResponderExcluir
  2. Andarilho.
    Muito bem observado. Mas me referia aos intróitos desnecessários.
    Concordo em gênero, número e grau contigo. Preliminares fazem parte do compasso.
    Andarilho continue contribuindo com este blogueiro neófito, pois a partir desta interação reflito mais sobre a escrita.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Interaja com Ledventure...

Postagens mais visitadas deste blog

Somos 99%

     Somos uma parcela significativa de qualquer sociedade. Somos os 99%. Apesar de sermos a imensa maioria, ainda assim somos excluídos de quase tudo. Somos chamados somente quando os detentores das riquezas, os outros 1%, precisam de nossos sacrifícios.      Como é possível que uma sociedade, com alicerces tão frágeis, fique de pé por tanto tempo? Não tenho a resposta. Entretanto, sinto que algo está mudando e muito rapidamente. Esta sociedade injusta já não está mais tão firme e começa a ser questionada. Nos últimos meses estamos acompanhando vários movimentos sociais espraidos pelo mundo. É a voz dos 99% se fazendo ouvir. Estamos cansados de sacrifícios intermináveis. E sempre dos mesmos para os mesmos. Nunca são chamados os detentores da riqueza. Um porcento da população nunca se sacrifica, mas quando aparece alguma dificuldade, criada pela ganância deles, colocam de lado suas convicções e imploram ajuda dos governos. Estes governos que sempre foram chamados de ineficientes ou

Vivendo ao largo da vida...

     - Eu vivo ao largo da vida.      - Como assim?      - Isto mesmo. Eu vivo costeando a vida. Nunca me senti incluído em nenhum grupo social. Nunca convivi com nenhuma turma. Sempre fui muito sozinho.      - Mas hoje somos um casal e temos alguns amigos.      - Sim, mas são muito mais teus amigos do que meus. E para dizer a verdade são apenas conhecidos.      - Otávio, às vezes acho que tu é louco.      - Por quê? Talvez porque eu goste de falar a verdade? Pelo menos a minha verdade.      - É. Nem sempre gostamos de ouvir verdades.      - Mas eu gosto de falá-las.      - Otávio, tu tem esta mania de falar o português correto. Isto, sim, me incomoda. E também me irrita esta tua vontade de falar verdades... Verdades não são para serem ditas.      - Isabele, olha o paradoxo desta tua frase...      - Para o que...      - Paradoxo. Para os menos acostumados com o vernáculo, paradoxo é uma especie de contrassenso, absurdo ou disparate.      - Tu e esta mania de me chamar de i

DSK, o homem "respeitável"

     Imaginem um homem poderoso. Um homem influente. Um homem "respeitável". Este homem entra num avião, se dirige à primeira classe, lugar onde sempre se acomoda quando viaja de avião. Afinal, é o todo poderoso, não existe outro lugar para este homem a não ser a primeira classe de uma aeronave. Pelo menos até então.      Mas antes de se deslocar até este avião, o "respeitável" senhor abusou de uma camareira do hotel de luxo onde estava hospedado. Muitos ao imaginar esta situação têm a certeza de que nada iria acontecer a este senhor poderoso, temos certeza de que ele iria para o seu destino e aquela camareira conviveria com esta chaga, ser abusada por um homem poderoso e nada poder fazer porquanto ninguém acreditaria nela. Mas não foi o que aconteceu nestes últimos dias nos Estados Unidos.      Muitos de nós criticamos os Estados Unidos. Na adolescência tínhamos como objeto da nossa ira este país imperialista. Afinal, éramos e ainda somos a parte do mundo explorada