Pular para o conteúdo principal

Um olhar na janela

      Hoje como sempre faço, semana após semana, mês após mês, cheguei em casa e percebi na janela da casa ao lado um rosto. Um rosto triste, sem vida. Uma vida sem rosto. Olhos no nada a espera não sei de quê.
     Acionando o controle remoto da garagem, soltei o cinto de segurança e quis andar em direção daquele rosto sem expressão. Aguardando os segundos, enquanto subia o portão, continuei a olhar aqueles olhos tristes. Num flash lembrei dos dias que encontrei aquela mulher na mesma janela, apoiando os braços no mesmo parapeito, sempre protegida por grossas grades. Não sei de que aquelas grades a protegem. Talvez impeçam a entrada da vida naquele olhos. Tanta coisa passava na minha cabeça. Os carros cruzam a rua, os olhos da mulher acompanhava cada carro. Num momento nossos olhares se cruzaram. Pensei em conversar com com aquela mulher, porém era o momento de entrar na garagem. Mais uma vez deixei para depois.
     Ao descer até a garagem comecei a divagar sobre o porquê daquele olhar entristecido. Nem sei se estavam tristes. Realmente não sei. Comecei a pensar no porquê todos os dias aqueles olhos se distraem com coisas tão corriqueiras e sem aparente sentido. Quis ir até a rua e ficar olhando ao largo aquela mulher para tentar entendê-la. Mas se nem a mim entendo, como irei compreender alguém que não conheço e só vejo os olhos por detrás de grades de uma janela qualquer.
    Algumas horas se passaram, a vida continuou seu trote e diante desta tela de computador me lembro daquele olhar. Continuo a não entendê-lo. Não  consigo entender alguém que vive a deixar o tempo passar. Mas será que aquela mulher não é a mais feliz de todas? Será? Julgamos e condenamos aqueles que são diferentes das nossas certezas. Aqueles que ousam viver uma vida acomodada, uma vida sem sobressaltos. Estas pessoas de uma maneira ou de outra infringem as regras ditadas por uma sociedade incansável. Uma sociedade que só aceita quem pode produzir algo e que consumam cada vez mais. De novo volto ao mesmo tempo. É um tema que me assola. Um tema que insiste em rondar este blogueiro. Por que somos como somos? Por que insistimos em julgar os diferentes? Por que condenamos a diversidade?
     Volta e meia converso com um colega de trabalho sobre estes temas. Somos parecidos na nossa maneira de pensar. Apesar de nossas diferenças (que não são muitas, acho eu), sonhamos os mesmos sonhos, desejamos uma sociedade onde não haja espaço para a discriminação, seja ela qual for. Temos consciência que às vezes damos nossas escorregadelas e repetimos conceitos antigos e segregadores. Mas lutamos contra este agir segregador. Nos policiamos. Isso mesmo, temos que usar a razão para retirarmos do nosso dia a dia comportamentos ensinados desde sempre e repassados de geração para geração. Haverá o dia que simplesmente não nos policiaremos e seremos pessoas desprovidas de qualquer preconceito. Mas é uma luta diária.
     Voltando àquele rosto na janela gradeada. Me importo com aquele olhar, mas não para julgá-lo, condená-lo, questioná-lo ou quem sabe repreendê-lo, mas sim me preocupo se ele está ali por falta de opção. Só isso. Começarei a sorrir ao ver aqueles olhos, quem sabe os alegrarei. Ou então eles me mostrem o que devo fazer por eles. Ou talvez eles façam por mim... esta é a magia da vida.

Trilha Sonora:
Are You Going With Me? - Travels (Disc 1) - Pat Metheny Group
The Search - Pat Metheny Group - American Garage
Seems Like This - Azimuth - Azimuth
Your Blue Room - U2 - The B-Sides 1990-2000
Wake up alone - Amy Winehouse - Back to black
Piano Improvisations (California Jam Festival 1974) - Emerson Lake And Palmer - Beyond In The Beginning
Too Old To Rock 'n' Roll, Too Young To Die - Jethro Tull - A Classic Case
Evil Ways - Santana - Classic Rock Gold Disc 1
Walk Away - The James Gang - Classic Rock - Gold Disc 1
Natale's Song - Sia - Colour the Small One
Nem Pensar - Kleiton & Kledir - Dois
Mas Alla (Beyond) - Pat Metheny Group - First Circle
I'm So Afraid - Fleetwood Mac - Fleetwood Mac
Focus III - Focus - Hocus Pocus: The Best Of Focus
Badfinger - No Matter What - Clássicos Rock 500
Tom Petty & the Heartbreakers - Breakdown - ClássicosRock 500
Let It Be - The Beatles - Rolling Stone Magazine's 500 Greatest Songs Of All Time
No Quarter - Led Zeppelin - Stairway Sessions
Start Me Up - The Rolling Stones - Tattoo You

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Somos 99%

     Somos uma parcela significativa de qualquer sociedade. Somos os 99%. Apesar de sermos a imensa maioria, ainda assim somos excluídos de quase tudo. Somos chamados somente quando os detentores das riquezas, os outros 1%, precisam de nossos sacrifícios.      Como é possível que uma sociedade, com alicerces tão frágeis, fique de pé por tanto tempo? Não tenho a resposta. Entretanto, sinto que algo está mudando e muito rapidamente. Esta sociedade injusta já não está mais tão firme e começa a ser questionada. Nos últimos meses estamos acompanhando vários movimentos sociais espraidos pelo mundo. É a voz dos 99% se fazendo ouvir. Estamos cansados de sacrifícios intermináveis. E sempre dos mesmos para os mesmos. Nunca são chamados os detentores da riqueza. Um porcento da população nunca se sacrifica, mas quando aparece alguma dificuldade, criada pela ganância deles, colocam de lado suas convicções e imploram ajuda dos governos. Estes governos que sempre foram chamados de ineficientes ou

Vivendo ao largo da vida...

     - Eu vivo ao largo da vida.      - Como assim?      - Isto mesmo. Eu vivo costeando a vida. Nunca me senti incluído em nenhum grupo social. Nunca convivi com nenhuma turma. Sempre fui muito sozinho.      - Mas hoje somos um casal e temos alguns amigos.      - Sim, mas são muito mais teus amigos do que meus. E para dizer a verdade são apenas conhecidos.      - Otávio, às vezes acho que tu é louco.      - Por quê? Talvez porque eu goste de falar a verdade? Pelo menos a minha verdade.      - É. Nem sempre gostamos de ouvir verdades.      - Mas eu gosto de falá-las.      - Otávio, tu tem esta mania de falar o português correto. Isto, sim, me incomoda. E também me irrita esta tua vontade de falar verdades... Verdades não são para serem ditas.      - Isabele, olha o paradoxo desta tua frase...      - Para o que...      - Paradoxo. Para os menos acostumados com o vernáculo, paradoxo é uma especie de contrassenso, absurdo ou disparate.      - Tu e esta mania de me chamar de i

DSK, o homem "respeitável"

     Imaginem um homem poderoso. Um homem influente. Um homem "respeitável". Este homem entra num avião, se dirige à primeira classe, lugar onde sempre se acomoda quando viaja de avião. Afinal, é o todo poderoso, não existe outro lugar para este homem a não ser a primeira classe de uma aeronave. Pelo menos até então.      Mas antes de se deslocar até este avião, o "respeitável" senhor abusou de uma camareira do hotel de luxo onde estava hospedado. Muitos ao imaginar esta situação têm a certeza de que nada iria acontecer a este senhor poderoso, temos certeza de que ele iria para o seu destino e aquela camareira conviveria com esta chaga, ser abusada por um homem poderoso e nada poder fazer porquanto ninguém acreditaria nela. Mas não foi o que aconteceu nestes últimos dias nos Estados Unidos.      Muitos de nós criticamos os Estados Unidos. Na adolescência tínhamos como objeto da nossa ira este país imperialista. Afinal, éramos e ainda somos a parte do mundo explorada