Pular para o conteúdo principal

Matheus

     - Mãe! Quero um bicicleta.
     - Mas porque tu quer uma bicicleta?
     - Porque quero.
     - Dudu, vamos fazer o seguinte. Me dá um bom motivo que te darei uma bicicleta.
     Dudu pensa. Minha mãe é meio louca, tudo tem que ter algum motivo.
     - Mãe, eu não sei porque quero uma bicicleta, mas sinto que preciso...
     - Dudu, pensa e volte quando souber um bom motivo para ter a tal de bicicleta.
     Dudu sai da sala meio desiludido com a vida. Tinha apenas 12 anos e já sentia o peso da desilusão. Sempre era assim, para ganhar alguma coisa tinha que encontrar  "bons motivos". Ficou parado olhando para o jardim, estava entristecido porque não tinha um motivo aparente para ganhar a bicicleta. Mas ao mesmo tempo ficou estimulado a encontrá-lo. No fundo gostava da atitude da mãe... Mas se era assim aos doze anos...
     - Mãe, vou sair para pensar.
     A mãe deu uma risada e disse:
     - Te cuida, não vai fundir a cuca, afinal, tu só tem doze anos guri.
     Dudu não entendeu mais nada, ela diz para ele dar um bom motivo para ganhar a bicicleta e depois diz para não fundir a cuca. Acho que o pai é que está certo. A mãe tomou algumas coisas na juventude, ele sempre diz rindo que ela era uma tal de hippie... Nem sabia o que era isso, mas que ela tomou algumas coisas isso tomou... ficou assim, um tanto louca, mas é uma mãe legal. É o que importa.
     Ao sair de casa sente algo estranho. O jardim parecia mais verde do que o normal, as árvores eram como dançarinas ao vento em uma coreografia inovadora. Não havia mais muros ou cercas em volta do jardim. Dudu não entendia o que estava sentido. Será que isto era a tal liberdade que todos falam... continuava a pensar e até admitia que a bicicleta não era mais tão importante na sua vida, queria sentir para sempre o que estava experimentando naquele momento.
     A mãe da sala olha com carinho o filho. Fica a imaginar como era possível ele estar assim tão feliz se ainda não ganhou a bicicleta.
     O filho olha para a mãe e grita:
     - Mãe eu te amo. Gosto de ti. E não pensa que estou dizendo só para ganhar a bicicleta. Sinto que preciso te dizer que te amo...
     - Dudu, tu é um filho especial. E saiba que te amo para sempre.
     Aquela cena do mais tenro amor parecia tirada de um filme. Mas era a vida. A vida de todos os dias. A mãe começa a chorar em silêncio.
     Do outro lado daquela fria sala, dois homens conversam:
     - Sempre que a Marta para em frente daquela janela ela chora. Todos os dias.
     - E já faz no mínimo uns 12 anos.
     Pela janela se lê na fachada do prédio Vitoriano: Sanatório São Matheus.

Trilha sonora
Shine on You Crazy Diamond (Part One) - Pink Floyd - Wish You Were Here
Welcome to the Machine - Pink Floyd - Wish You Were Here
Have a Cigar - Pink Floyd - Wish You Were Here
Wish You Were Here - Pink Floyd - Wish You Were Here
Shine on You Crazy Diamond (Part Two) - Pink Floyd - Wish You Were Here

O escrever de hoje só poderia ser embalado por este disco

Comentários

  1. Cara...a inspiração veio e ficou com tudo..
    Heitor

    P.S. Será que os loucos são mais felizes?

    ResponderExcluir
  2. Não sei se são mais felizes, mas acho que entendem mais da vida...

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Interaja com Ledventure...

Postagens mais visitadas deste blog

Somos 99%

     Somos uma parcela significativa de qualquer sociedade. Somos os 99%. Apesar de sermos a imensa maioria, ainda assim somos excluídos de quase tudo. Somos chamados somente quando os detentores das riquezas, os outros 1%, precisam de nossos sacrifícios.      Como é possível que uma sociedade, com alicerces tão frágeis, fique de pé por tanto tempo? Não tenho a resposta. Entretanto, sinto que algo está mudando e muito rapidamente. Esta sociedade injusta já não está mais tão firme e começa a ser questionada. Nos últimos meses estamos acompanhando vários movimentos sociais espraidos pelo mundo. É a voz dos 99% se fazendo ouvir. Estamos cansados de sacrifícios intermináveis. E sempre dos mesmos para os mesmos. Nunca são chamados os detentores da riqueza. Um porcento da população nunca se sacrifica, mas quando aparece alguma dificuldade, criada pela ganância deles, colocam de lado suas convicções e imploram ajuda dos governos. Estes governos que sempre foram...

A casa não vai cair...

     Um amigo, aliás, um ótimo amigo escreveu algo que me fez pensar: "... enquanto nos perdemos nos detalhes, contando, classificando... a vida passa e a casa vai caindo, pouco a pouco."      Este amigo em poucas palavras me mostrou o que somos, ou melhor, no que nos transformamos.      Parece que deixamos de lado o quadro para prestarmos atenção na moldura, sabemos tudo sobre este detalhe, o ano da fabricação da madeira, o tipo e forma do corte, esquecemos de olhar o quadro em si. Fechamos os olhos para a pintura...      No início o não entendi, pois o simples nos é tão difícil de entender, sempre estamos  querendo transformar esta simplicidade em algo complexo. Mas esta simplicidade quando nos é revelada nos abre olhos, enxergamos além da moldura, passamos a ver o conteúdo do quadro; nos surpreendemos com o que surge aos nossos incrédulos olhos.      Parece que somos criados para somente fazermos part...

Uma história do ponto e da vírgula.

     Ia escrever sobre o cotidiano. Mas não me deu vontade. Então me lembrei de uma pequena altercação entre o ponto e a vírgula. O fato ocorrido que presenciei foi mais ou menos assim...      O ponto sempre foi determinado, sempre certo  do que queria, nunca deu espaço para qualquer tipo de dúvida e constantemente reclamava da vírgula. Dizia que ela era um poço de incertezas, sempre acompanhada de um entretanto, talvez, quem sabe. Isso o ponto não suportava. O ponto estava a pronto para encetar algum ataque. Mas o sempre era demovido pelo ponto de exclamação, este sim o mais respeitado entre os sinais de pontuação.      A vírgula de seu lado sempre reclamava deste ar superior do ponto, sempre encerrando os assuntos, não dando margem para nenhuma discussão. Lá longe a reticências nem dava bola tinha uma vaga idéia de que aquela "desinteligência" iria virar amor.    Não é que um dia num texto mal pontuado, como este, o ...