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Literatura 1 - Dossiê Gabeira o filme que nunca foi feito

     Como este blog não tem um roteiro definido, tão pouco existe um script a seguir, inicio um novo capítulo no blog. Escreverei, também, sobre livros lidos por este blogueiro sem destino certo. Ao completar a leitura de um livro que estiver em minha cabeceira, postarei aqui um texto sobre a obra lida. Não é algo muito inovador, aliás, é bem comum. Mas é o que desejo fazer.
     Gosto muito de ler, tento estimular a leitura (por muitos anos só dei livros de presentes aos meus amigos). Se algum leitor deste blog se interessar por um livro citado aqui, já ficarei feliz por ter criado este blog.
     Bom, deixando de lado os prolegômenos (eta palavra estranha, mas que só quer dizer introdução), inicio esta nova jornada que me estimula muito no momento.

     Livro: Dossiê Gabeira o filme que nunca foi feito
     Autor: Geneton Moraes Neto
     Editora: Globo

     Dossiê Gabeira é um livro de entrevista. Esta frase inicial não dá a verdadeira dimensão deste livro. É muito mais do que um livro de entrevista. É um livro que revela um homem.
     Ao iniciar a leitura do livro senti um certo estranhamento, porque sendo um livro de entrevistas eu não ouvia as respostas do Gabeira (apenas as lia), não percebia a respiração ou então as pausas entre uma frase e outra. Frequentemente desvendamos muitas coisa nos silêncios ou em alguma respiração diferenciada. Por outro lado, a leitura nos permite releituras, reflexões, questionamentos. A cada resposta do Gabeira somos estimulados a exercitar esta interação só proporcionada pela leitura.
    Sempre admirei quem rompe com algumas certezas da vida. O Gabeira, em um determinado momento da sua vida, deixou tudo para trás e entrou de cabeça na luta armada. Vivenciávamos os anos de chumbo. E o Gabeira só percebia uma saída, a luta armada. Passados mais de 30 anos ele reconhece que aquela não era a saída mais adequada. Mas naquele momento e no calor da vida era a única alternativa percebida. A vida nos ensina e as experiências vivenciadas nos fazem diferentes. Pelo menos era para ser assim.
     No livro são reveladas algumas passagens do sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick. As conversas humanizadas entre o sequestrado e o sequestrador. É intrigante perceber, mesmo numa situação de violência extrema como é um sequestro, o surgimento de sentimentos tão puros como os revelados por Gabeira. Outros companheiros de sequestro eram mais duros e dispostos a tudo. O Gabeira era uma espécie de guerrilheiro intelectualizado, lia e defendia Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Nunca foi muito aceito naquele mundo. Talvez ele não quisesse ser aceito por aquele universo de violência.
     O Gabeira sempre foi uma espécie de outsider, seja no jornalismo, na luta armada, no exílio ou mesmo na política. É bom não sermos apenas mais um na multidão.
     Em um determinado ponto da entrevista Gabeira é questionado, se caso não fossem atendidas as exigências dos sequestradores ele teria coragem de matar o embaixador sequestrado? Esta dúvida Gabeira diz que tinha na época. Mas fica claro ao ler o livro completo que o Gabeira não mataria. Mesmo sendo um guerrilheiro o Gabeira não acreditava na violência como forma de luta política. Esta é a grande dicotomia existente em Gabeira. Como pode existir um guerrilheiro que não acredite na violência. Pois é, este é o Gabeira.
    Em outra passagem, quando o presidente da Câmara dos Deputados era o Luiz Eduardo Magalhães e o Gabeira era o único deputado do PV, fica explicitada a sua constante dualidade:
"...Eu era deputado do Partido Verde (PV). Luiz Eduardo reconhecia, em mim, uma voz. Tanto é que dizia: 'Deputado Gabeira, como se manifesta a bancada do Partido Verde?' Eu respondia: 'Ainda não sei. Sou único, mas sou uma pessoa um pouco dividia. De qualquer maneira, hoje vou votar assim..."
     Por conta do sequestro do embaixador americano, até hoje o Gabeira não pode entrar nos EUA. O país que é o paraíso da liberdade não lhe concede o visto de entrada. Os EUA alegam que quem cometeu atitudes hostis contra autoridades americanas não devem esperar um visto de entrada concedido.
     E como a vida é engraçada. O ACM mexeu mundos e fundos para que o visto fosse concedido ao Deputado Gabeira. Um homem de posições claras, bem à direita e sem nenhuma afinidade política com o Gabeira. Não consigo entender as relações humanas. Confesso que senti um certo carinho pelo ACM ao saber desta passagem da sua vida. Enquanto isso, o governo brasileiro nada fez e nada faz para interceder em favor do cidadão Gabeira. Talvez tenha receio de um possível desgaste nas relações entre os países e isto atrapalhe nossas relações comerciais.
     Mais uma vez sou surpreendido pelo Gabeira. E não é por usar uma tanga de crochê. Nesta entrevista conheci um cara que não tem medo de rever suas posições, não tem vergonha de reconhecer erros ou inseguranças. Em uma passagem da entrevista ele conclui:
"O fracasso das ideologias produziu um sentimento de orfandade. Quem fica órfão ou procura um novo pai ou resolve que já não precisa de um. É o meu caso: já não preciso de uma ideologia acabada, já não preciso saber para onde vai a história marchar.                                                             Sou órfão, mas não procuro um novo pai. Pelo contrário. Já não tenho um teoria geral. Estou procurando pragmaticamente, em cada momento, tentar achar o caminho. Podemos ter intuições, mas precisamos ser pragmáticos." Fernando Gabeira.
     Um idealista que se transforma e numa pessoa pragmática. Penso que este é o resumo de muitos de nós. Na juventude queremos e temos certeza que mudaremos o mundo. Com o avançar dos anos percebemos que não é possível esta mudança. Ou então, descobrimos que não é tão fácil como achávamos. Enfim, cada um de nós é um pouco daquele Gabeira e deste Gabeira. Depende da idade que tivermos.
     Sem dúvida, um bom livro. Vale a pena ser lido.
     Por fim uma frase do Gabeira que explica o porquê de muitas das nossas ideologias ficarem pelo caminho:
"Há alguma coisa de errado quando a ideia do bem e da justiça pressupõe um tipo de ser humano idealizado que não se encontra na realidade."
   
Trilha sonora
Running On Faith (Unplugged) - Eric Clapton - Greatest Hits - Vol I
Rush - Fly By Night - Rock 70´s
Stupid Girl - The Rolling Stones - Singles Collection - The London Years (Disc 2)
I'm Waiting For The Man - The Velvet Underground - Rolling Stone Magazine's 500 Greatest Songs Of All Time
We're An American Band - Grand Funk Railroad - Rock 70´s
Sweetest Thing - U2 - The Joshua Tree (Bonus Audio CD)
One Minute Warning - Passengers - Original Soundtracks 1
Super Freak - Rick James - Rolling Stone Magazine's 500 Greatest Songs Of All Time
Shadows in the Rain - The Police - Message in a Box
Uf Dem Anger: Were Diu Werlt Alle Min - Franz Welser-Möst: London Philharmonic Orchestra - Orff: Carmina Burana
Anybody Seen My Baby? (No Biz Edit) - The Rolling Stones - More For Promotional Use Only
See Emily Play - Pink Floyd - The Pink Floyd - Early Singles
Too Old To Rock 'n' Roll: Too Young To Die - Jethro Tull - Too Old To Rock 'n' Roll: Too Young To Die!
Brown Sugar - The Rolling.Stones - Live Licks
Bruce Springsteen - Born to Run - Rock 70´s
Ching-A-Ling (Previously Unreleased Stereo Mix) - David Bowie - David Bowie (Deluxe Edition)
Entre Canibales - Soda Stereo - Comfort Y Musica Para Volar

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