Pular para o conteúdo principal

Ramon e a perda do amor

     Ele simplesmente parou de amar.
     Ao andar por aquelas ruas Ramon pensava o porquê. Deixara de amar, simplesmente isso. Chegou a imaginar que era um personagem de algum livro do Saramago. Mas tudo a sua volta estava como no dia anterior, a única diferença estava dentro dele.
     O grande propulsor da sua vida era o amor. O amor por tudo que lhe cercava. A família, os amigos, até mesmo seus desafetos, a todos amava.
     As ruas pelas quais passava estavam exatamente como no dia anterior, a única mudança se dera dentro do seu ser. Ao encontrar sua esposa sentiu um vazio dentro de si. Mas mesmo assim tentou disfarçar. Chegou a pensar "minha vida a partir de agora será fingir que ainda amo".
     Os dois andavam pela rua sem dizerem nada. Ela pensava "Ele tem outra. Está muito diferente.". Ramon apenas divagava sobre o seu futuro, tentava ver o lado bom da vida sem amor. Teria a possibilidade de não se envolver sentimentalmente com ninguém. Poderia ser um franco atirador, não teria alvo certo, mas todos os dias teria uma nova vítima em sua cama. Mas será que a vida era só isso?
     Neste momento Vitória lhe olha e diz:
     - Ramon, tu está diferente. O que foi que aconteceu? Quem é ela?
     - Como assim quem é ela?
     - Hoje tu está diferente? Só pode ser outra mulher. Até teus olhos não brilham mais quando tu me olha. Me diz quem é a piranha?
     Sem entender mais nada e não podendo dizer a verdade, pelo menos por enquanto, Ramon responde algo corriqueiro colocando a culpa no trabalho. Os dois continuam caminhando. O silêncio é a trilha sonora entre eles. Ao chegarem em casa o silêncio continua.
     Naquela noite os dois transaram, mas foi algo mecânico, sem nenhum sentimento. Ramon estava fisicamente naquela cama, mas sentimentalmente estava ausente. Distante. A surpresa estava por vir.
     - Ramon, não sei o que tu tem hoje. Mas tenho que te dizer que hoje foi a melhor noite de amor entre nós.
     Surpreso, sem entender mais nada, Ramon simplesmente pergunta?
     - Como assim, Vitória?
     - Não sei te explicar, mas hoje foi diferente, tu me pegou diferente, não sei... Só posso te dizer que foi maravilhoso. Sem falar que senti o gozo mais intenso da minha vida, estou sem forças. Só quero te dizer que te amo cada vez mais.
     Ramon não entendia mais nada.
     Vitória pensava. Hoje foi a primeira vez que menti para o Ramon. É óbvio que ele não estava aqui. Mas tenho que lutar pelo meu amor. Esta é a única forma. Desculpa Ramon. Mas te amo e não posso te perder.
     A distância entre eles estava cada vez mais intensa. Não se falavam mais. Só transavam. E sempre a mesma história. Vitória dizia que o sexo entre eles estava cada vez melhor. Os dois viviam uma mentira. A vida deles se resumia a se enganarem. Apenas isso.
     Num certo dia os dois se olharam e se deram conta que não dava mais. Eles não seriam o primeiro casal a decidir pela separação. E não seriam o último. Ao se separarem a vida continuou. Ramon continuava a não sentir amor por mais nada. A vida não é simples.
     Na sua vida nova de solteiro Ramon ia seguidamente ao supermercado. Comprar coisas básicas. Passou até a gostar de fazer compras, descobriu que supermercado era um bom lugar para paquerar. Sempre ia ligado. Pensava que poderia encontrar o amor novamente.
     Hoje ao procurar a sua massa favorita encontra a mulher da sua vida. E ela gosta da mesma massa que ele. Ele olha de soslaio o carrinho dela e vê o vinho que ele gosta. Não é possível! Os mesmos temperos. Tudo muito parecido. Ela é a sua alma gêmea. De uma hora para outra voltou a sentir o mesmo amor de antes. De uma hora para outra encontrou novamente um sentido para sua vida. Com certeza ama esta mulher. Com certeza é a mulher da sua vida. Não sabe o que fazer. Resolve falar qualquer coisa:
     - Que coincidência! Se olharmos nossos carrinhos veremos que gostamos dos mesmos produtos, a massa, os temperos, o vinho...
     Neste instante aparece do nada um desconhecido:
     - Vitória, achei os tomates cerejas para o molho. E se beijam apaixonadamente. O desconhecido pergunta:
     - Vocês se conhecem?
     Ramon responde:
     - Não... só estava perguntando onde fica a prateleira do creme de leite. Obrigado. Valeu. E saiu apressado.
     Vitória e Ramon se olham e descobrem tarde demais que se amavam. Mas a vida os separou. Só isso. Agora Ramon anda solitário pelas ruas lembrando dos dias em que amava e era amado. Até hoje não entende o que aconteceu.


Trilha sonora:
Song for Bilbao - Pat Metheny Group - Travels (Disc 2)
O Milho E A Inteligencia - Vitor Ramil - A Paixao De V Segundo Ele Proprio
O Doce e O Amargo - Secos & Molhados - Coletânea
Spicks & Specks - Bee Gees - Their Greatest Hits - The Record (Disc Two)
Inside Looking Out - The Alan Parsons Project - The Ultimate Collection (Disc 2)
Dreamer - Supertramp - Rock 70´s
Give It All You Got, But Slowly - Chuck Mangione - Fun and Games
That's The Way I've Always Heard It Should Be - Carly Simon - Rock 70´s
No Sunshine - Bill Withers - Rolling Stone Magazine's 500 Greatest Songs Of All Time
Stoned - The Rolling Stones - Singles Collection - The London Years (Disc 1)
Styx - Babe - Rock 70´s
Helter Skelter - U2 - Rattle And Hum
Two Hearts Beat As One (Long Mix) - U2 - War (2008 Bonus CD)
New Born (Live@Radio 1-19,02,01) - Muse - Hyper Music (Japanese Boxset)
Can't Buy Me Love - The Beatles - Rolling Stone Magazine's 500 Greatest Songs Of All Time
Flower In The Sun - Big Brother & The Holding Company - Live At Winterland '68


Comentários

Postar um comentário

Interaja com Ledventure...

Postagens mais visitadas deste blog

Somos 99%

     Somos uma parcela significativa de qualquer sociedade. Somos os 99%. Apesar de sermos a imensa maioria, ainda assim somos excluídos de quase tudo. Somos chamados somente quando os detentores das riquezas, os outros 1%, precisam de nossos sacrifícios.      Como é possível que uma sociedade, com alicerces tão frágeis, fique de pé por tanto tempo? Não tenho a resposta. Entretanto, sinto que algo está mudando e muito rapidamente. Esta sociedade injusta já não está mais tão firme e começa a ser questionada. Nos últimos meses estamos acompanhando vários movimentos sociais espraidos pelo mundo. É a voz dos 99% se fazendo ouvir. Estamos cansados de sacrifícios intermináveis. E sempre dos mesmos para os mesmos. Nunca são chamados os detentores da riqueza. Um porcento da população nunca se sacrifica, mas quando aparece alguma dificuldade, criada pela ganância deles, colocam de lado suas convicções e imploram ajuda dos governos. Estes governos que sempre foram chamados de ineficientes ou

Vivendo ao largo da vida...

     - Eu vivo ao largo da vida.      - Como assim?      - Isto mesmo. Eu vivo costeando a vida. Nunca me senti incluído em nenhum grupo social. Nunca convivi com nenhuma turma. Sempre fui muito sozinho.      - Mas hoje somos um casal e temos alguns amigos.      - Sim, mas são muito mais teus amigos do que meus. E para dizer a verdade são apenas conhecidos.      - Otávio, às vezes acho que tu é louco.      - Por quê? Talvez porque eu goste de falar a verdade? Pelo menos a minha verdade.      - É. Nem sempre gostamos de ouvir verdades.      - Mas eu gosto de falá-las.      - Otávio, tu tem esta mania de falar o português correto. Isto, sim, me incomoda. E também me irrita esta tua vontade de falar verdades... Verdades não são para serem ditas.      - Isabele, olha o paradoxo desta tua frase...      - Para o que...      - Paradoxo. Para os menos acostumados com o vernáculo, paradoxo é uma especie de contrassenso, absurdo ou disparate.      - Tu e esta mania de me chamar de i

DSK, o homem "respeitável"

     Imaginem um homem poderoso. Um homem influente. Um homem "respeitável". Este homem entra num avião, se dirige à primeira classe, lugar onde sempre se acomoda quando viaja de avião. Afinal, é o todo poderoso, não existe outro lugar para este homem a não ser a primeira classe de uma aeronave. Pelo menos até então.      Mas antes de se deslocar até este avião, o "respeitável" senhor abusou de uma camareira do hotel de luxo onde estava hospedado. Muitos ao imaginar esta situação têm a certeza de que nada iria acontecer a este senhor poderoso, temos certeza de que ele iria para o seu destino e aquela camareira conviveria com esta chaga, ser abusada por um homem poderoso e nada poder fazer porquanto ninguém acreditaria nela. Mas não foi o que aconteceu nestes últimos dias nos Estados Unidos.      Muitos de nós criticamos os Estados Unidos. Na adolescência tínhamos como objeto da nossa ira este país imperialista. Afinal, éramos e ainda somos a parte do mundo explorada