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Boa Esperança

     Era um dia frio. O vento cortante fazia o trabalho sujo de afastar as pessoas da rua. A cidade estava deserta, assim como o Restaurante Boa Esperança. Nunca um nome fora tão indicativo do estado de espírito de alguém. Dentro do estabelecimento, o proprietário, Alexandre e um cliente. Aliás. este cliente entrara quando o Restaurante abriu, pouco depois das 17:00 horas e estava até agora lá. Eram 22:00 horas.
     Alexandre estava intrigado com aquele cliente. Deste às cinco da tarde bebendo. Nestas cinco horas dissera poucas palavras. Pedira dois maços de cigarros, pediu algumas cervejas e nada mais. O som de fundo era uma rádio que tocava música clássica. Alexandre adorava música clássica. Todos diziam que aquele estilo de música não combinava com butecos, ao que Alexandre respondia prontamente:
     - O Boa Esperança não é buteco, é um Restaurante.
     E ficavam nesta discussão que nunca se encerrava. Este era o charme do Restaurante ou buteco Boa Esperança.
     Mas hoje era diferente. Aquele homem não falava nada e somente fumava e bebia. Alexandre tentava puxar algum assunto, mas todas tentativas eram rechaçadas abruptamente.
     Então o Alexandre não suportando mais aquele frio e a falta de conversa dispara:
     - Meu amigo vamos fechar o estabelecimento. Termina esta cerveja e...
     - O senhor não pode fechar o bar.
     - Em primeiro lugar não é bar. Mas sim Restaurante. Em segundo lugar, já é tarde e hora de fechar.
     - O senhor não está entendendo. Preciso ficar aqui.
     - Mas amigo, o senhor entrou às 17:00 horas e já são quase onze horas. E além de tudo sempre fechamos neste horário.
     - O senhor não está entendendo...
     - Claro que estou. E tenho que lhe dizer que iremos fechar agora. E se dirige para a frente do Restaurante para abaixar a grade do estabelecimento.
     - Espere não abaixe estas grades e me escute.
     Alexandre se vira para o desconhecido e nota que ele está chorando e se comove. Se dirige para a mesa do desconhecido, puxa uma cadeira e começa a escutar aquele homem com lágrimas nos olhos.
     - Estou a procura do meu grande amor. Ontem fui a uma cartomante e ela me assegurou que hoje eu iria encontrar o grande amor da minha vida.  O senhor sabe como são estas videntes, nunca são muito claras. Mas ela disse que eu deveria ir em busca da esperança. Eu estava caminhando e vi o nome do seu bar. Foi uma espécie de aviso.
     - Só uma correção, é Restaurante.
     - Ok. Onde eu estava?
     - Sei lá.
     - Lembrei, eu estava lhe falando da vidente e do encontro com o meu grande amor.
     - Desculpe-me mas tenho que fechar, o último ônibus passa daqui a 20 minutos e a nossa cozinheira tem que pegar este ônibus. Por isso tenho que fechar o Restaurante.
     Aquele desconhecido continuava com lágrimas nos olhos e passava a ter certeza de que foi enganado pela vidente. Então capitulou e resolveu ir embora.
    - Então acho que vou. Só vou lhe acompanhar até o fechamento.
    Neste instante Alexandre chama a sua cozinheira:
    - Esperança, já pode ir embora. Irei fechar o bar, quer  dizer, o Restaurante com este senhor.
   A cozinheira sai da cozinha. Uma mulata linda. Com os olhos mais brilhantes já vistos por aquele desconhecido. Quando os olhos dos dois se cruzam uma energia envolve aquelas duas pessoas. Sem saber o que fazer o desconhecido pergunta ao dono do Restaurante o nome da cozinheira.
    - Esperança. O nome do Restaurante é alusão a ela. Boa no sentido de ótima cozinheira e também muito atraente... Para dizer a verdade, gostosa... Acho que a propaganda da cerveja é baseado nela. E deu uma grande risada.
    - A vidente estava certa. Foi o que falou o desconhecido e repetiu feito um louco.
    - A vidente estava certa, a vidente estava certa, a vidente estava certa...
    Esperança não entendia nada, mas achou muito engraçado aquele cara repetindo a frase.
    O desconhecido se apresenta para a mulata.
     - O meu nome é Keite Richarde. Meu pai era fã de um tal de Rolleng Stoned ou coisa que o valha e quis homenagear um dos guitarristas. Mas o Tabelião aportuguesou o nome e deu nisso, Keite Richarde.
    Esperança não entendeu nada, nunca tinha ouvido falar neste tal de Rolleng e muito menos neste guitarrista. Gostava mesmo de Pagode de raiz. Mas achou muito interessante aquele homem com lágrimas nos olhos...
     Deste então, Keite Richarde foi todos os dias ao Boa Esperança. E sempre ficava até o bar, ou melhor, Restaurante fechar. Para encontrar a Esperança da sua vida. Mais ou menos a uns quatro meses Esperança e Keite Richarde passaram a morar juntos. Ele largou o emprego como auxiliar de estoque e passou a ser garçom no Boa Esperança. Já estão pensando em filho, pelo menos o nome já escolheram, Será Thiaguinho, em homenagem ao cantor do ExaltaSamba, grupo preferido de Esperança e Keite Richarde. Não tem erro, o tabelião não irá atrapalhar, afinal, o nome é brasileiríssimo...

Trilha Sonora:
Coma - Guns N' Roses - Use Your Illusion I
Shiver - Coldplay - Live 2003
Ohio - Crosby, Stills, Nash & Young, Neil Young - Rock 70´s
My Sweetheart - Focus - Mother Focus
Bouree - Jethro Tull -Stand Up
Lean On Me - Bill Withers - Rolling Stone Magazine's 500 Greatest Songs Of All Time
Asylum - Supertramp - Orpheum Theatre, 1976-03-05 Boston, MA
Take It Or Leave It - The Strokes - Is This It
Piano Thing - Muse - Hyper Music (Japanese Boxset)
Ventura Highway - America - A Horse With No Name and Other Hits
Little Bombadier (Recorded For BBC Radio One's Top Gear) - David Bowie - David Bowie (Deluxe Edition)
Because - The Night - The Patti Smith Group - Rock 70´s
Talk [Live in Holland] - Coldplay - Singles
Not Fragile - Bachman-Turner Overdrive - The Collection

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