Pular para o conteúdo principal

Carlos Eduardo, o outsider.

     Quando Carlos Eduardo se deu por conta já havia se apaixonado. Logo ele que se orgulhava de nunca ter sucumbido a uma paixão. Ele estava sem chão, sem a mínima perspectiva de reencontrar a vida que levara até então. Carlos Eduardo era conhecido por não se apegar a nada, nem mesmo à vida, era uma espécie de outsider. Estava sempre no limite, seja emocional, físico ou espiritual, enfim, todos diziam que era um cara sem a mínima chance de dar certo na vida.
     Carlos Eduardo sempre  se perguntava o que é dar certo. Viver uma vida comum, indo de casa para o trabalho, do trabalho para casa, se fosse isso, ele realmente não queria dar certo. Queria apenas viver a vida e contraditoriamente achava que a sua vida, sim, tinha dado certo. Não devia nada a ninguém, fazia o que bem entendia, nem emprego fixo possuía; aliás, este era o maior maior orgulho de Carlos Eduardo. Não ter emprego fixo. Mas este estilo de vida tinha um preço e às vezes era muito alto. Em algumas ocasiões se olhava no espelho e sentia que tinha que mudar. Mas nunca mudava.
     Mas tudo incrivelmente mudou. De uma hora para outra ele se apaixonou. Não conseguia pensar em mais nada a não ser sua nova paixão. Passou a aventar a possibilidade de arrumar um emprego, imagine só, Carlos Eduardo levando currículos em agências de emprego. 
     A paixão de Carlos Eduardo respondia pelo nome de Rachelle. Nunca tinha visto uma beleza tão estonteante. Ele lembra de todos os detalhes do primeiro encontro. Tudo que sentiu está cravado em sua retina. Nunca tinha sentido isso. Muitos amigos lhe falavam do amor, mas ele se sentia imune a este sentimento, até achava que era uma invenção da sociedade à sua volta...
    No primeiro encontro Rachelle agiu como uma verdadeira profissional, deu um olhar maroto e uma piscadela. Carlos Eduardo achou estranho apenas duas coisas, a roupa um tanto que provocante demais e o seu perfume. Era bom, mas forte, muito forte.
     Carlos Eduardo ficou transtornado, começou a seguir Rachelle, que tinha uma vida muito movimentada. Era uma legítima hetaira*. Sempre entrando e saindo de carros.  Indo a festas, dormindo tarde, trocando o dia pela noite. E Carlos Eduardo sempre seguindo-a. Foi neste momento que ele chegou a pensar em arranjar um emprego. Um dia tomou coragem e falou com Rachelle:
     - Oi, estou atrás de ti há muito tempo.
     - Por quê?
     - Sei lá, gostei de ti?
     - Não fala isso.
     - Falo sim, acho que te amo.
     - O que isso cara, amor na noite, isto não existe.
     - Eu posso te dizer que te amo, o sentimento mais bonito que já senti.
     - Olha aqui cara, não me vem com este papo de amor, pois são duas da manhã e não ganhei nada até agora. Se tu ficar aqui empatando a minha vida, terei que ir para outra esquina.
     Carlos Eduardo entendeu o recado e foi embora. Mas nos outros dias sempre voltou para falar com Rachelle e cada vez mais suas conversas eram alongadas. Numa noite Rachelle intimou Carlos Eduardo.
     - Cadu, tu vem aqui faz quase seis meses, conversa comigo, me vê trabalhando, às vezes me leva em casa e até agora nunca tu quis ficar comigo. Cadu tu não é viado é? Ou não tem dinheiro? Qual é a tua malandro?
     - Simples de responder. Te quero por completo comigo e não apenas uma noite efêmera de amor. Tu lembra que dias destes eu disse que te amava?
     - Lembro sim, tu foi o primeiro homem a dizer isso para mim.
     - Rachelle eu não te falei, mas estou trabalhando e tu não quer saber o porquê. Estou trabalhando por ti, trabalho para que possamos ter uma outra vida. Uma vida onde o amor prevaleça. O amor que sinto por ti.
     - Mas Cadu...
     - Rachelle, deixa comigo, não fala nada.
     E Cadu seguiu este estranho amor por muitos anos, nunca teve qualquer tipo de relação sexual com Rachelle, mas ela foi responsável por mudanças profundas na vida de Carlos Eduardo que virou um respeitável pai de família, descobriu um rumo na vida e agora todos dizem que ele deu certo na vida. Por outro lado, Rachelle ainda está  na luta e entre uma cama e outra sempre lembra do grande amor da sua vida, Carlos Eduardo.

* Para quem ficou com preguiça de olhar no "amansa burro" lá vai a definição de Hetaira:
Substantivo feminino.
1.
Na antiga Grécia, mulher dissoluta, cortesã:
“As mais belas / Das heteras de Samos e Mileto // Eram todas na orgia.” (Olavo Bilac, Poesias, p. 134.)

2.
Prostituta elegante e distinta.

3. Na antiga Grécia, cortesã de classe elevada.
4. Prostituta de luxo, que se faz sustentar por clientes ricos.
5. Membro de uma heteria.
Obs.: f. geral não pref.: hetaira

Trilha Sonora:
Darlin' - Frankie Miller - Rock 70´s
Daylight - Coldplay - A Rush of Blood to the Head
Life In Technicolor II - Prospekt's March Version - Coldplay - Singles
Maybellene - Chuck Berry - Rolling Stone Magazine's 500 Greatest Songs Of All Time
Haja o Que Houver - Madredeus - Antologia
Love Comes Tumbling - U2 - Wide Awake In America
I Will Follow (Previously Unreleased Mix) - U2 - Boy (2008 Bonus CD)
The Hardest Part , Postcards From - Coldplay - Left Right Left Right Left - Live
Don't Cross The River - America - A Horse With No Name and Other Hits
Cocaine - J.J. Cale - Best Of J.J. Cale
Old Man - Neil Young - Greatest Hits
Even the Losers - Tom Petty & The Heartbreakers - Greatest Hits

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Somos 99%

     Somos uma parcela significativa de qualquer sociedade. Somos os 99%. Apesar de sermos a imensa maioria, ainda assim somos excluídos de quase tudo. Somos chamados somente quando os detentores das riquezas, os outros 1%, precisam de nossos sacrifícios.      Como é possível que uma sociedade, com alicerces tão frágeis, fique de pé por tanto tempo? Não tenho a resposta. Entretanto, sinto que algo está mudando e muito rapidamente. Esta sociedade injusta já não está mais tão firme e começa a ser questionada. Nos últimos meses estamos acompanhando vários movimentos sociais espraidos pelo mundo. É a voz dos 99% se fazendo ouvir. Estamos cansados de sacrifícios intermináveis. E sempre dos mesmos para os mesmos. Nunca são chamados os detentores da riqueza. Um porcento da população nunca se sacrifica, mas quando aparece alguma dificuldade, criada pela ganância deles, colocam de lado suas convicções e imploram ajuda dos governos. Estes governos que sempre foram chamados de ineficientes ou

Vivendo ao largo da vida...

     - Eu vivo ao largo da vida.      - Como assim?      - Isto mesmo. Eu vivo costeando a vida. Nunca me senti incluído em nenhum grupo social. Nunca convivi com nenhuma turma. Sempre fui muito sozinho.      - Mas hoje somos um casal e temos alguns amigos.      - Sim, mas são muito mais teus amigos do que meus. E para dizer a verdade são apenas conhecidos.      - Otávio, às vezes acho que tu é louco.      - Por quê? Talvez porque eu goste de falar a verdade? Pelo menos a minha verdade.      - É. Nem sempre gostamos de ouvir verdades.      - Mas eu gosto de falá-las.      - Otávio, tu tem esta mania de falar o português correto. Isto, sim, me incomoda. E também me irrita esta tua vontade de falar verdades... Verdades não são para serem ditas.      - Isabele, olha o paradoxo desta tua frase...      - Para o que...      - Paradoxo. Para os menos acostumados com o vernáculo, paradoxo é uma especie de contrassenso, absurdo ou disparate.      - Tu e esta mania de me chamar de i

DSK, o homem "respeitável"

     Imaginem um homem poderoso. Um homem influente. Um homem "respeitável". Este homem entra num avião, se dirige à primeira classe, lugar onde sempre se acomoda quando viaja de avião. Afinal, é o todo poderoso, não existe outro lugar para este homem a não ser a primeira classe de uma aeronave. Pelo menos até então.      Mas antes de se deslocar até este avião, o "respeitável" senhor abusou de uma camareira do hotel de luxo onde estava hospedado. Muitos ao imaginar esta situação têm a certeza de que nada iria acontecer a este senhor poderoso, temos certeza de que ele iria para o seu destino e aquela camareira conviveria com esta chaga, ser abusada por um homem poderoso e nada poder fazer porquanto ninguém acreditaria nela. Mas não foi o que aconteceu nestes últimos dias nos Estados Unidos.      Muitos de nós criticamos os Estados Unidos. Na adolescência tínhamos como objeto da nossa ira este país imperialista. Afinal, éramos e ainda somos a parte do mundo explorada