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A Torre da Igreja

     - O que você quer fazer com tua vida?
     - Esta vida que levo não é minha.
     - Mas qual vida você leva?
     - A vida que escolheram para mim.
     - Mas se você a vive é porque gosta.
     - Não necessariamente.
     - E o que você faz para mudá-la?
     - Nada. Absolutamente nada.
     - Então tu és um acomodado.
     - Com certeza.
     - Esta sua passividade me incomoda.
     - Por que passividade? Só porque não luto para mudar a vida que me impuseram?
     - Exatamente isso. Como tu pode viver uma vida que não é tua? E não tentar tomar as rédeas do que te cerca. Fazer as tuas escolhas. Tomar as tuas decisões.
     - Mas espera um pouco. Tu não pode dizer isso. A tua vida é totalmente controlada por outras pessoas. A diferença entre eu e você, é que eu tenho consciência.
     Branca ri sem jeito. Fica a olhar para os lados, tentando ultrapassar aquela verdade irrefutável.
     - Lucas, talvez você tenha razão, minha vida é sem controle. Ou melhor, eu não tenho controle dela. Mas e você? Fica aí se enganando todos os dias. Como tu pode ser tão cínico. Ou então, tão acomodado.
     - Nada disso. Aqui neste bar sou quem tem mais controle da situação. Sei muito bem porque estamos aqui, sei como viemos parar aqui e acima de tudo sei onde iremos terminar. Pela simples razão que não sou apenas mais um na multidão.
     - Lucas você é muito contraditório. Em certo momento você diz que a vida que leva é a que escolheram para ti. E em outro diz que não és mais um na multidão. Como isso é possível?
     - Simples. Eles querem que eu seja um cara responsável. Eles querem alguém que consuma os produtos impostos por eles. Eles querem um cara com as mesmas opiniões de todos. Então, eles têm. Mas eles não me tem. Eu faço o que quero, mas ao mesmo tempo me comporto como eles querem. Sou o cidadão respeitável entre eles. Mas fora daquele círculo sou um agitador. Quero que tudo voe pelos ares. Quero um mundo diferente do imposto por eles. Dentro do sistema tenho tudo que eles querem, mas em paralelo quero que a transformação aconteça. Estou fazendo a minha parte. Enquanto que tu é apenas mais uma patricinha, Branca. Tu nem sabe o que acontece do outro lado do quarteirão. Percebe, esta é a nossa diferença?
     - Deixa de conversa fiada. Este papo de "eles" é muito pré-adolescente. O que você faz para mudar o que te cerca? Como diz um amigo meu tu é um revolucionário de playground. Não sai do play para questionar o sistema que tanto tu tenta atacar. Faça alguma coisa, deixe de lado estes sonhos inatingíveis e esta passividade.
     - Branca, deixa de pegar no meu pé. Hoje é sexta-feira. Estamos tomando umas geladas e tu vem com este papo de divã. Não tem cabimento. Na verdade não tenho pelo que lutar. Nada e ninguém me dariam motivos para correr atrás. Deixa de encher meu saco, vamos dar uma volta por aí.
     Os dois saem do bar caminhando sem direção. Um mundo separava aquelas duas pessoas, mas ao mesmo tempo este mesmo mundo os aproximava. Os dois queriam as mesmas coisas, mas não se permitiam ceder. Queriam a mesma coisa, mas não davam o primeiro passo, sempre esperavam a iniciativa do outro. Já fazia muitos anos desde o primeiro encontro ou quem sabe desencontro.
     Este estranho casal caminha mais uma hora por uma cidade que pouco dizia a eles, mas dizia muito a tudo que estavam vivendo. Ao chegarem na praça central, Branca percebeu que era chegado o momento. Não tinha mais como evitar o que iria acontecer nas próximas horas.
     - Lucas. Amanhã tu irá subir na torre da igreja e lá encontrará algo para ti. Tu sabe como subir lá. Já fomos no alto da torre muitas vezes. Desta vez tu irá sozinho e encontrará o que te deixei lá. Não pode ser hoje ou em outro dia qualquer. Tem que ser amanhã às nove horas em ponto, nem antes nem depois. Combinado?
     - Branca deixa de mistério, vou lá agora mesmo.
     - Não. Tem que ser amanhã.
     - Quanto mistério. Mas se é assim que tu gosta é assim que vai ser. Amanhã estarei lá.
     Os dois se despedem. Dão um pequeno abraço e se olham, como se fosse a última noite de suas vidas.
     No outro dia Lucas como combinado subiu no alto da torre da igreja. Sempre foi muito fácil subir ali. Ia lá para pensar na vida, para chorar por amor, por tristezas, para fugir de tudo e de todos. Entretanto,  hoje era diferente, subia lá para encontrar não sabia o que. Fazia alguns anos que ia lá, talvez porque tenha perdido a esperança na vida e não via mais motivos para chorar...
     Ao entrar na torre, olhou por todos os lados e não encontrou nada. Quando fixou os olhos no lado onde ficava o mecanismo do relógio da torre, logo percebeu uma carta endereçada a ele. Abriu o envelope e começou a ler a carta:

          Lucas!
          Hoje estamos no dia 23 de maio de 2001. Ou melhor, estou no dia 23 de maio de 2001. E o mundo não acabou como previram...
          Não sei quando tu irá ler esta carta, pois não sei quando terei coragem de revelar que esta carta foi colocada aqui no alto da torre. Mas pelo jeito tive coragem de revelar que ela está aqui. Tu está lendo-a.
          Mas vamos deixar de lado esta introdução inútil, já perdi muito tempo da minha vida com besteiras.
          Lucas, tu é muito estranho, tudo a tua volta é muito estranho. Tu não sabe para e por onde ir. Muito menos sabe lidar com sentimentos. Pelo menos os meus tu não sabe lidar e muito menos perceber. Tu não encontra motivação para nada. Desde quando te conheci e isto foi em 1992 eu te amo. No primeiro dia e, lembro como se fosse hoje, senti que te amaria para o resto da minha vida. Mas nunca, até hoje, consegui te dizer isto. Pena que ao ler esta carta estejamos começando a encerrar esta nossa história.
           Explico este começo do fim. Neste momentos estou no alto da cachoeira da Fonte Fria me jogarei de lá, pois te amo muito e não suporto viver sem o teu amor. Se tu subiu aqui na torre no horário combinado, agora deve ser no máximo nove horas e vinte minutos. Exatamente às 10:30 me jogarei do alto da cachoeira. Se tu quiser que eu não morra, tu só pode fazer uma coisa. CORRA. E me salve. Se não conseguires nos encontraremos do outro lado da vida.
                                                            Assinado: Branca, a mulher que te ama para sempre.


     Sem perceber Lucas sai correndo da torre. Só pensa em como chegar na cachoeira da Fonte Fria, tinha que salvar a única pessoa que amara nesta vida. Mas por que ela estava fazendo isso? Como ela não sabe que eu a amo. Tenho que salvá-la. Corria aos prantos, sentia seu corpo tremer, seu coração já não batia mais, estava em disparada. Parecia que aquele coração chegaria antes de tanto que pulsava. A cabeça daquele homem fervilhava. Nunca iria se desculpar caso não conseguisse chegar a tempo. Não, esta hipótese não existia. Iria chegar lá. Corria como nunca, não olhava o relógio, talvez assim o tempo parasse... Talvez, pensamentos iam e vinham -  Por que nunca me declarei a ela? Por que nunca a olhei nos olhos com olhos de amor? Por que não a beijei? Por que não a amei? Por quê? - Parecia que o tempo corria mais rápido do que de costume, disputava a corrida da sua vida, mas as forças estavam no limite... Sua vida estava no limite, não queria mais viver assim.
     Ao chegar no alto da cachoeira, olhou enfim o relógio. Este marcava dez horas e trinta e seis minutos. Não havia ninguém ali. Branca cumpriu o prometido. Jogou-se lá embaixo, agora estaria sem vida, como ele sempre estivera... Sem vida. Mas agora teria que conviver com esta dor lancinante. Uma dor insuportável.
     Lucas sentia que não existia mais nada a fazer a não ser jogar-se também. Começa a correr em direção à queda d´água. Pelo canto do olho percebe um movimento, mais outros e depois outro. Ao fixar os olhos de onde estavam vindo aqueles movimentos, Lucas vê que estão todos ali. Os amigos do Bar do Joquim, todos sem exceção começam a rir, alguns rolam na grama de tanto rir, outros tiram fotos do incrédulo Lucas. Ao parar de correr percebe mais atrás Branca, envolta por um sorriso indisfarçável. Começa a caminhar em direção daquele sorriso. Quando ouve a voz segura e forte de Branca:
     - Então, Lucas. Tu não tem motivos para correr atrás de algo. Por que veio até aqui então?
     - Eu vim por uma única razão. Eu te amo. E tu me dá motivos para correr e lutar. Lutarei pelo nosso amor. Não sei como vivi tantos anos sem dizer que te amo. Só agora consegui te dizer que te amo. Mas esclarece uma coisa. Tu escreveu aquela carta no dia 23 de maio de 2001 mesmo?
     - Claro que não. Escrevi ontem, bobo. Tudo ideia destes teus amigos... Agora, vê se faz alguma coisa de útil e me beija...

Trilha sonora
While My Guitar Gently Weeps - The Beatles - Rolling Stone Magazine's 500 Greatest Songs Of All Time
Vertigo - U2 - 18 Singles
Opening - Pat Metheny Group - The Way Up
The Electric Co. - U2 - Boy (2008 Remaster)
Man in a Suitcase - The Police - Message in a Box
Bad Moon Rising - Creedence Clearwater Revival - Rolling Stone Magazine's 500 Greatest Songs Of All Time
Te Hacen Falta Vitaminas - Soda Stereo - Soda Stereo
Cocaine - 1977 - Eric Clapton - Led Music
No Sympathy (Reprise) - Lee Ritenour - Rit
Lay Down Sally - Eric Clapton - Greatest Hits - Vol I
She Loves You  - The Beatles - Rolling Stone Magazine's 500 Greatest Songs Of All Time
You're The Best There Is - Chuck Mangione - Fun and Games
New Year's Day - U2 - Rolling Stone Magazine's 500 Greatest Songs Of All Time
Bach: Siciliana - Dave Grusin, Julian Lloyd Webber, Etc. - Two Worlds
I Still Haven't Found What I'm Looking For - U2 - The Joshua Tree (2007 Remaster)
Hordes Of Locusts - Joe Satriani - Not Of This Earth

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