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DSK, o homem "respeitável"

     Imaginem um homem poderoso. Um homem influente. Um homem "respeitável". Este homem entra num avião, se dirige à primeira classe, lugar onde sempre se acomoda quando viaja de avião. Afinal, é o todo poderoso, não existe outro lugar para este homem a não ser a primeira classe de uma aeronave. Pelo menos até então.
     Mas antes de se deslocar até este avião, o "respeitável" senhor abusou de uma camareira do hotel de luxo onde estava hospedado. Muitos ao imaginar esta situação têm a certeza de que nada iria acontecer a este senhor poderoso, temos certeza de que ele iria para o seu destino e aquela camareira conviveria com esta chaga, ser abusada por um homem poderoso e nada poder fazer porquanto ninguém acreditaria nela. Mas não foi o que aconteceu nestes últimos dias nos Estados Unidos.
     Muitos de nós criticamos os Estados Unidos. Na adolescência tínhamos como objeto da nossa ira este país imperialista. Afinal, éramos e ainda somos a parte do mundo explorada, éramos e ainda somos os mais fracos. Por isso a nossa revolta na adolescência. Com o passar dos anos e com a maturidade começamos a ver coisas boas nesta fera imperialista, passamos a analisar o mundo com olhos mais atentos aos detalhes. Com o avançar dos anos sempre procuramos algo positivo, por mais adversa que seja a situação.
     Nos anos de nossa juventude não nos permitíamos uma análise menos apaixonada, talvez porque o nosso radicalismo juvenil não deixava espaço para isenção. É certo que alguns continuam radicais apesar da idade, mas não são muitos... A idade vai aos poucos nos vergando, nos moldando, não perdemos nossas convicções, mas vamos ficando mais tolerantes, mais abertos. Não acho isto ruim, penso que é natural e é bom que assim seja, não somos uma pedra para mantermos sempre um mesmo pensamento linear. É natural na juventude os questionamentos ferozes, por outro lado, os mais maduros contemporizam certas situações.
     Então, neste momento é impossível não olharmos com uma certa admiração os Estados Unidos, principalmente depois do ocorrido com o senhor Dominique Gaston André Strauss-Kahn, também conhecido pela alcunha de DSK. Alguns detalhes da vida deste "respeitável" senhor: professor de economia na Universidade de Paris,  Deputado Socialista a partir de 1986, presidiu a comissão de finanças da Assembleia Nacional francesa, entre 1988 e 1991, foi Ministro da Indústria e do Comércio Exterior (1991-1993). Tornou-se Ministro da Economia, das Finanças e da Indústria do governo de Lionel Jospin. De 2001 a 2007, foi reeleito três vezes para a Assembleia Nacional. Este senhor, com um currículo invejável no que se refere a sua formação intelectual e aos cargos ocupados na sua vida,  foi retirado da primeira classe de avião, imediatamente algemado e conduzido a uma prisão. Foi PRESO o homem que dava as cartas no FMI, o homem poderoso do momento, virtual candidato a presidência da França com reais chances de se eleger nas próximas eleições de 2012.
     Foi preso após a acusação de ter violentado uma camareira de hotel. Está em prisão domiciliar após pagar uma fiança milionária, é verdade que em um apartamento de luxo em Nova York, mas também é verdade que está impossibilitado de  ir e vir. O sistema judiciário americano, neste aspecto, me causa inveja,  lá não existe distinção saiu da linha vai para a prisão, não importa o quanto tem de dinheiro ou sua origem social. Vários exemplos já nos foram dados. A sociedade americana tem a percepção de que não há distinções quando da aplicação da lei. Claro que como tudo tem lá suas exceções, não é um sistema perfeito ou imune a criticas.
     Como eu, muitas pessoas devem ter imaginado que se este fato tivesse ocorrido no Brasil o desfecho teria outro desdobramento. Infelizmente, todos nós temos este sentimento. Entretanto, não é apenas um sentimento, mas sim uma certeza. A nossa percepção é motivada por tudo que já passamos, a cultura da impunidade aos poderosos é atávica em nossa sociedade. É algo que está no âmbito da naturalidade, uma triste naturalidade diga-se de passagem. 
     Desde os tempos da colonização uma casta favorecida já se formava. Um exemplo marcante deste fato se deu quando a família imperial fugiu para o Brasil como medo do Napoleão Bonaparte, que então ameaçava invadir Portugal. Ao chegar no longínquo e desconhecido Brasil, a Corte Portuguesa desembarcou na cidade do Rio de Janeiro, por óbvio encontrou os terrenos mais próximos do mar ocupados, até porque tudo chegava por mar naquela época, portanto, nada mais natural do que morar perto do mar. Então, os membros da Corte Imperial ocuparam as residências próximas ao mar, pagando quase nada ou nem isso fazendo. Acho que este fato é emblemático para o que estamos vivendo agora, tudo tem origem no fato de que quase nada é respeitado no Brasil; o nome da família, a posição social ou a conta bancária é o que determina o tratamento dispensado.
     Nos EUA é diferente, existe uma cultura diferente. É um país que em muitos pontos tem um comportamento deplorável, seu povo é hipócrita,  professa uma coisa e pratica outra. Mas no caso específico, principalmente no que tange ao seu sistema legal, não podemos negar a sua isenção, onde aquela máxima que ouvimos em nossa infância é para valer: "o que vale para Chico, vale para Francisco". Não é somente um adágio ou uma frase jogada ao vento.
     Não sou ingênuo para pensar que é um sistema perfeito, mas também não fecho meus olhos para o fato de um homem poderoso está preso e, que sob todos ângulos, deve ser ressaltado.
     A minha tristeza está na certeza de que temos muito chão para andar, temos muito o que aprender com a experiência americana. Mas ao mesmo tempo não vejo nenhum aprendizado, nenhuma mudança por menor que seja consigo vislumbrar. Vivemos somente uma fantasia sobre muitas coisas no Brasil. Fantasiamos que temos um sistema de Saúde, fantasiamos um sistema político, fatasiamos um sistema de segurança pública, de saúde, educação, enfim, poderia ficar horas e horas retratando as fantasias e mentiras que vivemos. Chega de fantasia, quero um país de verdade, com instituições fortes, verdadeiras e isentas e não somente os arremedos que nos são jogados.
     Tenho certeza que o "respeitável" senhor DSK terá um julgamento justo e que lhe será proporcionada a oportunidade de defesa e que após todos os procedimentos judiciais, se houver uma condenação, irá cumpri-la. Sem subterfúgios ou filigranas jurídicas como um certo país que todos nós conhecemos.

Trilha Sonora:
Leader Of The Pack  - The Shangri-Las - Rolling Stone Magazine's 500 Greatest Songs Of All Time
Fillip - Muse - Showbiz
Green Eyes, Mooie Ellebogen (Live) - Coldplay - Singles
Don't Panic - Coldplay - Singles
The Times They Are A- Changin' - Bob Dylan - Rolling Stone Magazine's 500 Greatest Songs Of All Time
A Day Without Me - U2 - Boy (2008 Remaster)
Breakdown - Guns N' Roses - Use Your Illusion II
Down by the River - Crazy Horse, Neil Young - Rock 70´s
King Of Pain - The Police - Message in a Box

Comentários

  1. é meu velho, nosso mundo aqui nos trópicos é outro.
    ultimamente a única palavra que relaciono com a palavra "brasil" (local de queimadas - brasa) é a palavra "desesperança".
    infelizmente, perdi toda e qualquer esperança com relação à "civilização" que aqui foi gerada.
    como já dizia o ditado, "pau que nasce torto, morre torto".
    parece papo de "comunista" dizer que a elite que aqui se estabeleceu é culpada do que vivemos.
    e é claro que a elite nunca assumiria a culpa.
    mas a verdade é que todo este processo decadente e corrupto de nossa sociedade de queimadas (brasil) foi criado e dirigido por elites econômicas, que sempre olharam para o povo como se fossem animais de tração, para serem desgastados no trabalho, apenas para lhes gerar riquezas, sendo absolutamente desprezíveis e descartáveis.
    neste contexto, fizeram e fazem de tudo para que este pobre povo permaneça aonde até hoje se encontra: na ignorância, na pobreza física e espiritual, rodeado de violência.
    é esta realidade que acabou com qualquer esperança no meu pensar.
    fomos criados para ser o que somos e somos incapazes de reescrever nossa história.
    pensamos que somos alegres, felizes, festeiros, acolhedores, mas no fundo toda essa alegria não passa de uma grande fuga emocional em massa.
    bebemos como doidos para esquecer a realidade.
    amamos o futebol para esquecer o trabalho.
    nos divertimos em eternos carnavais para ofuscar nossa miséria e desrespeito.
    fazemos sexo sem qualquer cuidado porque simplesmente não nos amamos.
    é uma sociedade super alegre, mas de fachada e forjada pelos meios de comunicação.
    lá no fundo, mas bem lá no fundo, não queríamos ser assim, queríamos ser mais justos e bondosos, e talvez nem ser tão festivos.
    contudo,fica a lembrança, e não esperança, de que tudo ainda pode mudar, pois a imprevisibilidade da vida é um fato sempre a ser considerado.
    veja bem, você pode mudar a si mesmo, ou, quem sabe, de País. uma grande guinada ecológica também pode mudar toda nossa história, quem saberá?
    a verdade é que temos que conviver com nossas mazelas e favelas, sobrevivendo nesta louca sociedade de queimadas.
    grande abraço.
    luke

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  2. Pois é, lembrei da sindrome do "vira-lata", onde sempre nos achamos menores que os "estrangeiros".
    Quem viu o documentário "Trabalho Interno" tem uma visão um pouco diferente.
    Eu penso que nos EUA tem muita gente honesta, que cumpre com seu dever, etc., talvez mais do que no Brasil, mas aqui também tem gente da mesma qualidade.
    Também nos EUA tem tantos desvios, corrupção, etc. quanto em outros cantos deste mundo.
    No documentário Trabalho Interno, professores das mais respeitadas universidades americanas, como Harvard, Chigago, IMT, receberam muito dinheiro para fazer artigos e relatórios relatando a solidêz de alguns mercados que faliram em seguida, vendendo seus nomes para mentiras que custaram ao mundo algo em torno de 35 trilhões.
    Além disto, muitos dos que foram responsáveis pela grande crise mundial de 2007/2008 foram "penalizados" com fabulosas indenizações, sem falar nos "bonus" pagos pelos resultados alcançados.
    Lembro que o secretario de tesouro do governo Obama, somente pelo fato de ter assumido este cargo viu-se livre de pagar 50 milhões em impostos pela indenização que recebeu por deixar um cargo na iniciativa privada.
    Lá isto não é imoral nem antiético.
    Também lembro que um dos políticos, Blomberg (ou algo parecido), que mais denunciou esta "sacanagem" foi "pego" pelo crime de se relacionar com prostitutas e teve que renunciar ao mandato. Esta investigação teve a particiação de policiais federais e membros do ministério público.
    Os mesmos que não moveram nenhuma palha para investigar os crimes contra o sistema financeiro dos grandões de Wal Street.
    Ta bom, eu concordo que eles estão muito mais avançados que nós no que diz respeito a impunidade e combate a corrupção, etc, mas eu acredito no meu país, e não trocaria ele pela possibilidade de lavar pratos e limpar banheiros no exterior.

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  3. E agora Dr.,o que vamos fazer?
    Será que o prejuízo sera reparado?
    E se fosse aqui no Brasil, já teriamos executado o cara, não é mesmo?
    Que coisa.

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